Idosos centenários – Reflexões para a vida

Por

Ana Laura de Figueiredo Bersani

Médica clínica e geriatra pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/EPM). Especialista e membro titular em geriatria pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia –SBGG/AMB. Assistente do Serviço de Dor e Doenças Osteoarticulares da Disciplina de Geriatria e Gerontologia da Unifesp. Diretora de Publicação da SBGG-SP Biênio 2018-2020.

 Paulo de Oliveira Duarte

Médico clínico e geriatra pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP). Especialista e membro titular em geriatria pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia –SBGG/AMB. Responsável pelo Ambulatório de “Superidosos” (Longevos) da Divisão de Geriatria do HCFMRP-USP. Doutor pela Divisão de Geriatria do Departamento Clínica Médica FMRP-USP. Responsável técnico pelo Instituto de Geriatria e Gerontologia de Ribeirão Preto – IGG/InORP. Diretor de Comunicação da SBGG-SP Biênio 2018-2020.

 
Idosos centenários são indivíduos que atingiram um século de vida, vivendo 25 anos a mais que a expectativa de vida média da população de países em desenvolvimento, como o Brasil. Eles fazem parte do segmento populacional que mais cresce proporcionalmente no mundo. Segundo as Organizações das Nações Unidas (ONU), em 2010 existiam no mundo cerca de 290 mil pessoas com 100 anos ou mais de idade. A previsão é de que em 2050 esse número chegue a quase 4 milhões.


Imagem1
Fonte: ONU, 2010
Imagem2

Fonte: UN Population Prospects, 2010 Revision
 
Os centenários e supercentenários (mais de 110 anos) representam a máxima expressão da longevidade humana e demonstram o desenvolvimento humano, os avanços da medicina, do saneamento básico e a melhora das condições de vida da nossa sociedade.
O Japão é o país com a maior esperança de vida do mundo. As pesquisas apontam que lá existe um supercentenário para cada 166 mil habitantes, aproximadamente. Em 2016 o país asiático bateu recorde mundial de centenários, atingindo o número de 65,7 mil pessoas com mais um século. Não é à toa que o Japão abriga hoje a pessoa mais velha do mundo: Kane Tanaka, com 117 anos.
O título de pessoa mais velha da história foi atribuído à francesa Jeanne Calment, que viveu 122 anos e 164 dias.
No Brasil, o número de supercentenários é menor. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social, em 2007, a cada 1 milhão de brasileiros, um possui mais de 110 anos. No censo de 2010 havia 190.732.694 brasileiros e, entre eles, 23.760 idosos com mais de 100 anos. A Bahia foi o estado com o maior número de centenários (3.525), seguida por São Paulo (3.146) e Minas Gerais (2.597). Na cidade de São Paulo foram registrados 1.124 centenários (266 homens e 858 mulheres) em 2013 e espera-se que esse número aumente para 9.489 em 2050.
O Grupo de Pesquisas em Gerontologia reconheceu Maria Gomes Valentim como a brasileira mais velha. A mineira, falecida em 2011, viveu 114 anos e 137 dias, recebendo o título de Decanato da Humanidade em 2011 e ficando marcada na história como a primeira brasileira supercentenária. Segundo a mesma fonte, o brasileiro mais velho atualmente também é uma mulher: Alice Alves Zuza, de 111 anos.
Os determinantes da longevidade excepcional são multifatoriais e envolvem processos complexos, a maioria dos quais ainda não entendida completamente.
Existe ampla evidência de que fatores genéticos estão envolvidos na longevidade extrema, tanto em humanos quanto em animais. Um estudo dinamarquês com gêmeos fraternos e idênticos relatou que cerca de 25% da longevidade é atribuível a fatores hereditários, embora esse valor seja ainda maior se forem considerados exclusivamente os centenários. Os outros 75% são determinados pelo estilo de vida e pelas escolhas diárias. Assim, se otimizarmos nosso estilo de vida, é possível maximizar nossas expectativas de vida dentro de nossos limites biológicos.
Desvendar que hábitos garantem um envelhecimento bem sucedido e como praticá-los no dia a dia é o que estamos aprendendo com as Blue Zones – o termo Blue Zones é usado para designar as áreas mais longevas do mundo, com grande concentração de centenários e grupos de idosos que envelheceram sem problemas crônicos de saúde, como Loma Linda (Califórnia), Sardenha (Itália), Ikaria (Grécia), Nicoya (Costa Rica) e Okinawa (Japão). Apesar de essas localizações terem características próprias, alguns hábitos são comuns a todas elas, e neles podemos nos inspirar. As pessoas desses lugares não só vivem mais como também tendem a viver melhor. Elas têm fortes conexões com a família e com os amigos, são ativos e acordam pela manhã com um propósito.

9 lições das Blue Zones, ou melhores práticas mundiais em saúde e longevidade:
(Se quiser uma dica, inicie sua mudança pelas três lições com maior chance de ser bem-sucedidas).
 

  1. Alimentação saudável: prestar atenção na quantidade de comida e tentar praticar a regra dos 80%, que é parar de comer quando o estômago estiver cheio ou com 80% da saciedade.
  2. Ter uma dieta rica em frutas, vegetais, fibras, leite (ou seus derivados) e proteínas desde a infância, e pobre em gorduras saturadas, carboidratos complexos, açúcar e sódio. Evitar carnes e alimentos processados, comer de quatro a seis porções diárias de vegetais e castanhas todos os dias.
  3. Mover-se mais e ter uma vida ativa com prática de exercícios integrada à rotina, no mínimo 30 minutos (idealmente 60 minutos) de exercícios pelo menos cinco vezes na semana. A melhor atividade física é aquela que você faz sem perceber.
  4. Não fumar nem usar drogas. Beber vinho tinto com moderação.
  5. Ter um propósito de vida (Ikigai ou plano de vida): saber por que você acorda todas as manhãs.
  6. Desacelerar: o estresse é inevitável. Ele desencadeia inflamação crônica e, consequentemente, doenças durante o processo do envelhecimento. Assim, recomenda-se tirar um tempo livre para controlar o estresse (reduzir tempo de televisão, internet, chegar 15 minutos antes nos compromissos, orar, dedicar mais tempo para a família, meditar, praticar atividades prazerosas).
  7. Ter fé, investir na sua saúde psíquica e espiritual, independentemente da religião. Praticar, inclusive, a gratidão e o altruísmo.
  8. Cultivar o convívio com a família e com os amigos. Criar uma rede de suporte familiar e social que lhe dê apoio, estímulo e proteção. Ter a família como prioridade e o convívio intergeracional.
  9. Escolher as companhias certas e estar ao redor de pessoas que compartilham dos mesmos valores das Blue Zones.

 
As pessoas longevas geralmente têm, como características, menor prevalência das principais doenças crônicas, como as cardiovasculares, acidente vascular cerebral, doença pulmonar obstrutiva crônica, diabetes, neoplasias, doença de Alzheimer, e atraso expressivo no aparecimento dessas doenças, mecanismo conhecido como compressão de morbidade.
Várias classificações na literatura tentam organizar a heterogeneidade dos idosos centenários em grupos, com base no seu estado de saúde – excepcional (todas as funções intactas e classificadas como excelentes), normal (manutenção das funções cognitivas e físicas), frail (comprometimento da função cognitiva ou física) e fragile (deterioração de ambas as funções cognitiva e física) – ou na história clínica: os sobreviventes (que sobreviveram à doença), os retardatários (que desenvolveram a doença tardiamente) e os escapers (que chegaram sem doenças aos 100 anos).
Uma pesquisa recente realizada pelo Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP) com os idosos centenários moradores da cidade de Ribeirão Preto demonstrou que o envelhecimento ativo e bem-sucedido, infelizmente, ainda é uma raridade em nossa população. Dos 41 centenários encontrados nessa cidade entre 2010 e 2012, 33 participantes concluíram as avaliações em domicílio, representando uma amostra de 55,9% da população de idosos centenários estimados na cidade, segundo dados do Censo do IBGE de 2010.
Duarte PO et al detectaram a predominância do sexo feminino em 81,2%, a baixa escolaridade em 78,8% (com escolaridade até 4 anos) e ausência de síndrome demencial em 36,4%. Foram encontrados 27% de idosos com cognição normal e totalmente independentes para atividades básicas de vida diária.
Um estudo com centenários alemães demonstrou que cerca de 25% deles foram classificados como independentes, enquanto 20% dos centenários de Tokyo apresentavam envelhecimento bem-sucedido, definido como não ser dependente e não demonstrar comprometimento cognitivo ou sensorial importantes. Os outros 80% foram divididos em frail (55%) e fragile (25%). São achados semelhantes aos dos estudos com os idosos centenários de Ribeirão Preto.
Diversos grupos de pesquisadores têm concentrado suas pesquisas em longevidade ou, mais especificamente, nos centenários. Os termos longevidade saudável e longevidade excepcional são frequentemente utilizados para enfatizar a importância de ter uma vida longa e saudável. Outro termo muito empregado e que gera controvérsia é o chamado envelhecimento bem-sucedido, cuja definição mais usada é a de Rowe e Kahn, desde 1987, centrada no status físico, cognitivo e funcional. Existem diversas críticas e ponderações em relação a essa denominação e aos seus critérios. Considerar o envelhecimento bem ou mal sucedido apenas por essas variáveis pode esconder armadilhas na caracterização do nível de bem-estar e qualidade de vida dos idosos.
Os brasileiros estão vivendo mais, mas esse aumento de quantidade de vida ainda não veio acompanhado, necessariamente, de qualidade. Países como Brasil e China apresentaram taxas de envelhecimento populacional muito aceleradas em comparação com França, Reino Unido e Estados Unidos. Isso traz desafios muito maiores a governos, cidades e comunidades, bem como às próprias famílias e aos indivíduos nesses países. É necessário investir no “capital saúde” para usufruir de uma velhice plena, ativa e feliz.
 
Referências bibliográficas:

  1. United Nations Population Fund (UNFPA). Envelhecimento no século XXI: Celebração e Desafio. Disponível em: <http:unfpa.org/ageingreport>
  2. United Nations Population Division. World population projections: the 2019 revision. Disponível em: https://population.un.org/wpp/Publications/Files/WPP2019_Highlights.pdf
  3. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010: Agregado por Setores Censitários dos resultados do universo. Disponível em: <http:www.ibge.org.br>
  4. Moore SC, Patel AV, Matthews CE, et al. Leisure time physical activity of moderate to vigorous intensity and mortality: a large pooled cohort analysis. PLoS Med. 2012;9(11): e1001335.
  5. Barnard ND, Ignorance of Nutrition Is No Longer Defensible. JAMA Intern Med. 2019. doi:10.1001/jamainternmed.2019.2273

 

  1. Cendoroglo M, Almada Filho CM. Perfil dos Centenários.In: Netto MP, Kitadai FT. São Paulo: Ed Atheneu, 2015. A quarta idade – o desafio da longevidade.
  2. Buettner D. The Blue Zones – 9 lessons for living longer from the people who’ve lived the longest. 2nd Edition. 2012.
  3. Duarte, Paulo de Oliveira. Estudo dos centenários de Ribeirão Preto – Brasil [tese]. Ribeirão Preto: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; 2015 [citado 2019-07-29]. doi:10.11606/T.17.2017.tde-20072016-090416.
  4. Herskind, AM et al. The heritability of human longevity: a population-based study of 2872 Danish twin pairs born 1870-1900. Human Genetics, v. 97, n. 3, p. 319-323, Mar 1996.
  5. Rowe, JW; Kahn, RL. Successful Aging 2.0: Conceptual Expansions for the 21st Century. Journals of Gerontology. Series B, Psychological Sciences and Social Sciences, v. 70, n. 4, p. 593-596, Jul 2015
  6. Gondo, Y et al. Functional status of centenarians in Tokyo, Japan: developing better phenotypes of exceptional longevity. Journals of Gerontology. Series A, Biological Sciences and Medical Sciences, v. 61, n. 3, p. 305-310, Mar 2006
  7. Evert, J et al. Morbidity profiles of centenarians: survivors, delayers, and escapers. Journals of Gerontology. Series A, Biological Sciences and Medical Sciences, v. 58, n. 3, p. 232-237, Mar 2003.
  8. Yi, Z; Gu, D; Land, KC. The association of childhood socioeconomic conditions with healthy longevity at the oldest-old ages in China. Demography, v. 44, n. 3, p. 497-518, Aug 2007.