A velhice vai muito além da faixa etária

Que idade você sente que tem? E como percebe sua saúde em relação às outras pessoas da sua idade?

O Estatuto do Idoso entende que pessoas idosas são aquelas com idade igual ou superior a 60 anos, mas, afinal, qual a definição ideal de pessoa idosa?
Segundo o geriatra Dr. Maurício de Miranda Ventura, “a questão de definição do idoso passa menos pela definição cronológica e mais pelo desempenho funcional”. A especialista em gerontologia e nutricionista, Dra. Elci de Almeida Fernandes, complementa: “é preciso ampliar a visão da velhice não só como uma faixa etária”. De acordo com o atual presidente da SBGG-SP, Dr. Paulo de Oliveira Duarte, “precisamos trabalhar nas esferas competentes para mudarmos as definições que acreditamos serem as melhores.”

A velhice nos diferentes grupos populacionais

E é exatamente esse o ponto importante da nossa discussão: o termo velhice vai muito além da faixa etária. É uma construção sociocultural composta por normatizações, mitos e estereótipos.
Em nosso país, por exemplo, com tantos contextos de desigualdade, precisamos considerar a discussão sobre a idade cronológica nas diferentes realidades populacionais e que estão submetidas a uma condição de maior vulnerabilidade.
É necessário ter um aprofundamento nessas questões, considerando a interseccionalidade de diferentes aspectos que nos condicionam a um determinado lugar social, por conta do preconceito, discriminação e dificuldades de acessos à serviços básicos que garantam a saúde, educação, proteção e participação social. Neste contexto, numa sociedade repleta de preconceitos estruturais, as questões de gênero, orientação sexual, raça e cor, etnia e poder aquisitivo, podem condicionar essas pessoas a uma expectativa de vida menor que o restante da população, interferindo no processo de envelhecimento esperado, em uma perspectiva biopsicossocial.

Por isso, como explica o Dr. Diego Félix Miguel, integrante do Conselho Consultivo da SBGG-SP, “não há como reduzir a condição da velhice somente ao critério etário, principalmente na realidade brasileira, onde a desigualdade social é muito grande”. É a resistência social aliada a um critério cronológico equivocado. O Dr. Diego continua: “A velhice também é uma condição subjetiva, composta por vários aspectos sociais e culturais, não apenas burocrática. Além dos determinantes sociais que podem nos colocar nessa condição, por aspectos que nos tornam diferentes do que é o esperado para determinada faixa etária, há uma discussão importante sobre a condição sobre pessoas trans e homens gays, que socialmente são consideradas pessoas velhas muito antes dos 60, sendo submetidas às condições de preconceitos vivenciados pelos mais idosos.”

Compartilhando da mesma opinião, para o Dr. André Fattori, que também integra a diretoria da SBGG-SP, “a resistência social a esse tipo de discussão é com o que a comunidade LGBTQIA+ convive cotidianamente. Existe o envelhecimento precoce dos indivíduos em condições de vulnerabilidade social, individuos LGBTQIA+, particularmente trans, pessoas que vivem com HIV e pessoas de estratos sociais de maior risco. De fato, um exemplo são os estudos clinico-epidemiologicos em pessoas que vivem com HIV, quando o limite para serem considerados idosos pode ser abreviado para 50 anos.”.

Idade subjetiva e etarismo

E ainda tem a questão do etarismo (preconceito etário), que não podemos deixar de mencionar. O etarismo ou ageísmo consiste no preconceito, na intolerância, na discriminação contra pessoas com idade avançada. Nos Estados Unidos o termo é discutido desde a década de 60 e, na Europa, recentemente novas leis foram criadas contra a discriminação etária na esfera profissional. Infelizmente, no Brasil, o termo ainda é pouco conhecido. (Leia mais sobre isso aqui)

“Precisamos de estudos para fundamentar o que é perceptível em nossa prática e na convivência com essas pessoas, e o Estado também precisa estar mais engajado. Esse é o nosso papel enquanto geriatras e especialistas em gerontologia, levantar essa discussão e provocar o engajamento”, explica Dr. Diego.

Dessa forma, reduzir a velhice à idade é um equívoco. Em um país tão plural e multifacetado como o nosso, é preciso pensar fora da caixa e ir além – afinal, nossa população está envelhecendo. E rápido: de acordo com dados do Ministério da Saúde, em 2030 o Brasil poderá ter a quinta população mais idosa do mundo. Mas como anda a qualidade de vida dessas pessoas? E o atendimento a elas nos serviços de saúde, são satisfatórios?

Uma maior atenção dos governos, na questão do planejamento das políticas públicas voltadas para este grupo, mais inclusão por parte da sociedade – que consiste em todos nós – e um trabalho ativo por parte dos profissionais de geriatria e gerontologia são ações mais que necessárias: urgentes!