GERP.17: Uma entrevista com a presidente Maisa Kairalla

Quando nos encontramos para a entrevista, numa segunda-feira de sol em seu consultório em Higienópolis, a geriatra Maisa Kairalla já havia passado visita em dois hospitais e concluído uma reunião. Tudo isso antes das 9 horas da manhã.
Maisa tem uma rotina que pode parecer insana para muita gente. Casada, mãe de Frederico, de 4 anos, e de Malu, de 1 ano e 7 meses – ambos laureados com os olhos claros da mãe –, e geriatra em período integral, seus dias funcionam com a precisão de um relógio suíço. Equilibra mamadeiras, pacientes, aulas de natação, hospital, reunião de pais, consultório, gerenciamento da casa e universidade com desenvoltura invejável. Como se não bastasse, desde julho do ano passado Maisa é também a presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia – Seção São Paulo (SBGG-SP). “Aceitei a presidência da SBGG-SP como um presente. Faço tudo com enorme prazer”, afirma.
Uma de suas principais responsabilidades à frente da entidade é organizar o 10o Congresso Paulista de Geriatria e Gerontologia, o GERP.17. Participou das duas últimas edições do congresso como diretora científica e ousou investir em uma programação mais focada em ciência e atualização. “Achei que o estado de São Paulo merecia algo mais moderno no congresso. Apostamos e deu certo. O GERP foi um sucesso em 2013 e em 2015”, conta.
Desde então, Maisa vem deixando sua marca registrada nos encontros, que passaram a registrar número recorde de participantes. Os preparativos para o GERP.17 já acontecem há pelo menos um ano e meio e as expectativas para esse congresso são bastante otimistas. Em março, faltando ainda um mês para o evento, a organização já contabilizava mais de 1,7 mil inscritos e 16 patrocinadores – num ano notoriamente difícil em termos econômicos e políticos. Confira a seguir a bate-papo com a presidente do GERP.17.
Aptare – Qual a expectativa para o GERP.17?
Maisa Kairalla – Para mim é um imenso prazer falar do GERP, pois esse congresso é como um filho. Participei como diretora científica do GERP.13 e GERP.15 e resolvi adotar uma linha mais baseada em atualização. Achei que o estado de São Paulo merecia algo mais moderno no GERP, apostamos nisso e deu certo. Tanto o congresso de 2013 quanto o de 2015 foram um sucesso. Em 2017, reforçamos novamente a ideia de um congresso forte, buscando ciência, educação e atualização, que são os três pilares do evento. Já temos mil inscritos e dez patrocinadores da indústria farmacêutica. Conseguir isso é um enorme ganho num momento de crise e de descrédito em relação a eventos assim. Transformamos essas conquistas em ganho não apenas para geriatras e gerontólogos, mas também para profissionais de outras carreiras que se dedicam ao cuidado do idoso.
Aptare – E quais as principais dificuldades?
Maisa – É uma organização grande, portanto o trabalho é grande. Como presidente eu me apoio em quatro arestas: comissão científica, comissão executiva, temas livres e comissão da comunidade. Minha principal dificuldade, portanto, é compor esse grupo de maneira homogênea. O que eu procuro sempre pontuar é que estamos vendendo valor científico, não valor de metro quadrado no congresso. Quero que esse GERP seja reconhecido por isso e acredito que, de alguma maneira, já conseguimos atingir esse objetivo, pelo retorno que tenho recebido de colegas e da indústria farmacêutica. Por exemplo, os laboratórios têm direito a algumas inscrições. Muitos deles estão tendo que buscar profissionais fora do estado de São Paulo, porque os principais geriatras já se inscreveram de maneira independente. Isso traz uma credibilidade enorme para o congresso.
Além do desafio de compor as comissões de uma maneira homogênea e coerente, acredito que as outras dificuldades são elaborar novamente uma grade científica brilhante e tentar patrocínio num momento tão grande de crise.
Aptare – Que novidades o congressista deve esperar no GERP.17?
Maisa – Uma das novidades deste ano serão os eventos do GERP Comunidade. No dia 5 de abril haverá atividades no Sesc Pinheiros, que contará com inúmeras oficinas e atividades, que incluirão exposição, dança e a exibição de um documentário produzido por idosos frequentadores da entidade. No dia 6 de abril, que é o primeiro dia do congresso, haverá uma peça sobre prevenção de quedas no teatro do Centro de Convenções Frei Caneca, seguida de discussão do tema. A prefeitura, através da Secretaria de Esportes e Lazer, cedeu os ônibus para fazer o transporte dos idosos até as atividades. Saímos, portanto, da área voltada para o profissional e vamos para o não profissional, o que é um grande ganho.
Vale lembrar também do Encontro Nacional das Ligas Acadêmicas, que acontece em São Paulo. Além de nos preocuparmos com atualização, ciência e educação da população da área da saúde e da comunidade, também nos preocupamos em educar os estudantes.
Aptare – A programação do GERP.17 está bem variada. Por que discutir a economia da longevidade, por exemplo, num evento científico?
Maisa – Porque é importantíssimo. Se considerarmos que em 2020 haverá mais idosos com mais de 65 anos do que crianças com menos de 5 anos, fica claro que precisamos pensar na economia da longevidade, porque a economia do mundo está nas mãos dos idosos. Falo não apenas de profissionais de saúde com interesse em empreender nessa área. Falo da educação dos profissionais como cidadãos brasileiros, porque é o que vai acontecer com o mercado. Preciso me conscientizar de que muitas vezes o motorista de Uber que vai buscar meu paciente no consultório é idoso. É possível que eu ligue no laboratório para pedir o resultado de exames e o atendente seja um idoso. É importante que o profissional saiba que é essa a nova realidade que nos rodeia.
Também discutiremos os desafios da assistência suplementar, com a advogada Renata Vilhena, e a questão da desospitalização, sobre o qual eu vou falar. São temas não científicos, mas fazem parte de um aspecto político-econômico que temos procurado conferir ao GERP desde 2013.
Aptare – Que temas você destacaria na programação científica?
Maisa – Este GERP tenta contemplar a pessoa que ainda vai enfrentar seu envelhecimento, o idoso passando pelo processo, o idoso muito velho e todo o seu entorno. Por isso, há diversos temas que merecem a atenção do congressista: novas formas de moradia, economia da longevidade, assistência suplementar, apoio financeiro, o geriatra como gestor do idoso, a educação para o envelhecimento, fragilidade, sarcopenia, inflamação, idoso com sepse na UTI. Todos esses são grandes temas do GERP.17.
Alguns temas têm ganhado destaque simplesmente porque é necessário discuti-los. Os novos arranjos de moradia se encaixam nessa categoria. Na Europa, quando a população começou a envelhecer, foram surgindo diversas formas de moradia, como morar com os amigos, morar em repúblicas, morar com o filho etc. Isso vai acontecer no Brasil também. Antes havia pouca gente nessa situação e existia um conceito de comunidade em que o idoso tinha uma casa ou morava com alguém. Mas a economia e a sociedade mudaram e já não se pode contar com essa estrutura. Com uma longevidade cada vez maior, será preciso refletir sobre isso. É o que queremos fazer no GERP.17.
Aptare – Você nota mais interesse da indústria farmacêutica em relação ao envelhecimento?
Maisa – Certamente. Os laboratórios entenderam que há um mercado grande nesse segmento. Nosso congresso terá um número recorde de simpósios-satélite, por exemplo. Eles entenderam que vale a pena investir no médico que consiga falar de diversas doenças – de novo, é o geriatra como gestor do envelhecimento. A indústria está interessada nisso e enxergando com bons olhos a questão do envelhecimento.
Aptare – O GERP.17 também investiu pesado nos palestrantes internacionais, não?
Maisa – É a primeira vez na história que o GERP tem três palestrantes internacionais. E foi uma feliz coincidência, porque os temas casaram entre si.
O professor John Morley [diretor da Divisão de Geriatria e da Divisão de Endocrinologia da Escola de Medicina da Universidade de Saint Louis, nos EUA] é um dos ícones da fragilidade no mundo e discutirá a importância da prevenção da fragilidade. Ele falará também de fragilidade muscular e cognitiva, entre outras tópicos. Além das aulas no congresso, ele dará um curso, para o qual será necessário fazer inscrição antecipada.
A outra palestrante internacional é a bióloga Janet Lord [professora de biologia celular e imunologia, diretora do Institute of Inflammation and Ageing na Escola de Medicina da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, e diretora do MRC – Arthritis Research UK Center for Musculoskeletal Ageing Research], que vai falar da inflamação como envelhecimento.
Por último, teremos Ryan Woolrych [professor associado em saúde e bem-estar na Universidade de Heriot-Watt, em Edimburgo, na Escócia, e professor adjunto em envelhecimento na Universidade Simon Fraser, em Vancouver, no Canadá], que dará suas aulas via teleconferência sobre adaptação de ambientes e gerontotecnologia.
Os três convidados casaram muito bem, mesmo que não se conheçam. Eu esperaria bastante deste congresso nesse sentido.
Aptare – Como você se tornou geriatra?
Maisa – Eu sou a mais nova de quatro irmãos e, quando nasci, meus pais já estavam na casa dos 40 anos. Mas eu tive um grande diferencial: fui “criada” por um padrinho médico formado em 1938 pela Faculdade de Medicina de Minas Gerais, que morava na casa da frente. Eles não tinham filhos, mas ajudaram muito meus pais a me criar, não com dinheiro, mas com instrução. Eu me lembro que durante a minha infância eu estava sempre na piscina com ele, ou na cadeira de balanço ouvindo alguma música, ou ele me ensinando a escrever. Eu cresci cercada por idosos. Quando me formei em medicina, meu anel de formatura era o anel dele reformado. Ele, por sua vez, recebeu o anel do padrinho dele. Quando entrei na faculdade, ele me deu um livro chamado A Boa Idade. Já no primeiro ano de curso eu disse ao meu professor de histologia que queria ser geriatra.
O maior motivo para eu ter optado pela geriatria foi o fato de eu ter sido criada com muita gente idosa. Acho muito interessante essa visão das pessoas e esse cuidado. Tive exemplos em casa de cuidado, pois minha mãe sempre ajudou idosos com cestas, roupas, visitando hospitais e eu, bem pequena, a acompanhava. Meu pai também. É uma sensação de respeito por essa faixa etária. Mas fiz porque gosto, porque essas conjunturas me trouxeram até aqui.
Aptare – E a realidade correspondeu à expectativa?
Maisa – É fantástico ser geriatra. Mas é uma especialidade difícil, porque é complicada. O geriatra precisa dominar o binômio conhecer a ciência/conhecer a medicina, mas deve conhecer muito mais a medicina. O melhor médico é aquele habilidoso nas duas frentes. Esta é a fórmula mágica: o paciente entrar e você perceber a depressão nos olhos dele, e não apenas pelos livros, porque ele nunca vai te falar que tem depressão, ao contrário de um jovem. É preciso entender os 80 anos que essa pessoa já viveu, a família que está presente, e ao mesmo tempo lembrar das metas de hipertensão e diabetes que mudam todos os dias à medida que se envelhece. O geriatra precisa ser um grande observador, ter uma boa percepção da integralidade – uma visão holística, porque muitas vezes você descompensa doenças no intuito de tratá-las – e ter paciência. Não é uma consulta fácil.
Aptare – E hoje os médicos conhecem mais ciência ou mais medicina?
Maisa – À medida que o tempo passou na medicina, ficou muito mais ciência e menos humanidade. Agora têm surgido outras frentes, como cuidados paliativos, que procuram ser mais humanas. O geriatra, no entanto, precisa ser criado em todos os cenários: ele deve ter o insight da prevenção, deve acompanhar a pessoa, deve falar com a família, deve identificar um caso de septicemia, saber o que fazer caso o paciente vá para a UTI, deve orientar se o paciente vai para a casa ou para uma ILPI. Acho que o que está mais difícil atualmente é a visão do todo. As instituições de ensino precisam se preocupar mais com o holístico.
Aptare – Como você vê o crescimento de profissionais dedicados ao envelhecimento?
Maisa – Há necessidade de termos mais profissionais do mercado. Mas é preciso entender que criar uma profissão de maneira desenfreada apenas para suprir um mercado, sem prestarmos atenção à qualidade, pode acabar causando um prejuízo muito maior. Certamente há a necessidade de proliferar e todas as especialidades e frentes de aprendizagem são bem-vindas, mas deve haver, sim, um grande controle dessa formação, seja ela qual for. Pode ser em forma de prova ou de algum outro jeito, mas é preciso ter um controle desse conhecimento. Estamos falando de uma população frágil em que um cuidado inadequado é problema. Precisamos de mais profissionais sim, porque não temos gente suficiente, mas é preciso enfatizar a qualidade.
Aptare – Depois do GERP.17, qual a próxima prioridade de sua gestão?
Maisa – Meu próximo grande projeto à frente da SBGG-SP será voltado para a educação para o envelhecimento, que ainda estamos desenvolvendo. Queremos estimular a educação dos paulistas para as questões da longevidade.
Entrevista originalmente publicada na revista Aptare ed.23.