Hipertensão arterial em idosos

Measuring blood pressure

Por

Amanda Santoro Fonseca Bacchin
Geriatra pela SBGG; doutoranda em cardiologia pela Unifesp

Victor Abrão Zeppini
Geriatra pela SBGG; cardiogeriatra pelo Hospital de Cardiologia Dante Pazzanese

 

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é a doença crônica não transmissível mais predominante entre os idosos e constitui o principal fator de risco modificável para as doenças cardiovasculares. O estudo de Framingham constatou que, após os 55 anos, cerca de 90% das pessoas normotensas passarão a desenvolver hipertensão arterial. 
Em pacientes com menos de 50 anos, a pressão arterial sistólica (PAS) e a pressão arterial diastólica (PAD) são fatores de risco cardiovasculares independentes. Entretanto, nos idosos, a PAS continua sendo um importante fator de risco; a PAD, por sua vez, está associada inversamente com o risco cardiovascular. A combinação PAS elevada/PAD diminuída e, consequentemente, o aumento da pressão de pulso (PP) representam a expressão do enrijecimento arterial que ocorre durante o processo de envelhecimento. No passado esses aspectos eram considerados irrelevantes, e por isso não se indicava intervenção terapêutica. Porém, sabe-se hoje que idosos com PAS e PP elevados não só têm alto risco cardiovascular como maior prevalência de diversas doenças relacionadas à idade, perda de autonomia e redução da expectativa de vida.
Curiosamente, devido à rigidez dos vasos periféricos, pode-se obter uma medida falsamente elevada de PA nos idosos, pela dificuldade de ocluir a artéria braquial. A manobra de Osler ajuda na triagem desses casos. Caso a artéria braquial ou a radial permaneçam palpáveis, o sinal é positivo, e existe a possibilidade de pseudo-hipertensão.
A presença de um hiato auscutatório entre o primeiro e o terceiro ruído de Korotkoff, associado à rigidez arterial, também pode ser um problema na aferição da PA em idosos. Podem-se subestimar os valores, auscultando-se o terceiro ruído como se fosse o primeiro e obtendo um resultado errôneo. Cabe salientar que as medidas automáticas com aparelhos eletrônicos não são afetadas pelo hiato auscutatório.
Levando-se em consideração todas as particularidades do diagnóstico de hipertensão nos idosos, a Diretriz Brasileira de Hipertensão a classifica da seguinte maneira:
 
Quadro 1 – Classificação da Pressão Arterial
 

Classificação  PAS (mm Hg)  PAD (mm Hg) 
Normal  ≤ 120  ≤ 80 
Pré-hipertensão  121-139  81-89 
Hipertensão estágio 1  140 – 159  90 – 99 
Hipertensão estágio 2  160 – 179  100 – 109 
Hipertensão estágio 3  ≥ 180  ≥ 110 
Quando a PAS e a PAD situam-se em categorias diferentes, a maior deve ser utilizada para a classificação da PA. 
Considera-se hipertensão sistólica isolada se PAS ≥ 140 mm Hg e PAD < 90 mm Hg, devendo ser classificada em estágios 1, 2 e 3. 
Fonte: Adaptado da VII Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial

O VIII Joint norte-americano atualizou as recomendações para o tratamento da HAS, destacando que, na população com idade ≥ 60 anos, o tratamento farmacológico para reduzir a PA deve ser iniciado quando PAS ≥ 150 mmHg ou PAD ≥ 90 mmHg, visando a atingir valores < 150 x 90 mmHg. Se nessa população a PAS < 140 mmHg for bem tolerada, não haverá necessidade de ajuste terapêutico. As diretrizes canadense e europeia sugerem que, nos indivíduos muito idosos (>80 anos), o tratamento farmacológico deve ser iniciado a partir de PAS > 160 mmHg.  A VII Diretriz Brasileira considera o tratamento anti-hipertensivo em idosos com < 80 anos, quando PAS ≥ 140 mmHg, para uma meta de PAS < 140 mmHg se o idoso apresentar boa condição clínica e tolerância ao tratamento (GR IIb; NE: C). Com relação aos muito idosos (>80 anos), o tratamento farmacológico deve ser iniciado quando PAS ≥ 160 mmHg para uma meta de PAS < 150 mmHg, única condição em que os estudos mostram evidências de benefícios (GR I; NE:A).
Não há estudos que avaliem o impacto da terapia anti-hipertensiva em octogenários com PAS basal entre 140 e 159 mmHg, deixando um hiato de evidência. O estudo HYVET recomendou meta pressórica 150 x 90mmHg, com redução no risco de AVC e IC.
 Estudo mais recente (SPRINT) de 2015, controlado e randomizado, incluiu 9.361 pacientes a partir de 55 anos, com PAS entre 130-180 mmHg e considerados de alto risco CV, com exclusão dos diabéticos. O objetivo foi avaliar se o tratamento mais intensivo (meta de PAS < 120mmHg versus a meta padrão PAS < 140mmHg) reduziria eventos clínicos – uma vez alcançado o resultado, o estudo foi interrompido precocemente. Houve redução do risco relativo em 25% dos desfechos primários (IAM ou outras síndromes coronarianas agudas, AVE, IC e morte por causas CV). Entretanto, os efeitos colaterais apresentados são considerados extremamente prejudiciais na população idosa, tais como síncope, distúrbios hidroeletrolíticos, necessidade de diálise, entre outros. Somam-se à lista questões como a polifarmácia e a chamada prescrição em cascata que o acréscimo de um novo fármaco pode acarretar. 
Na verdade, o tratamento da HAS em idosos envolve bom senso clínico e avaliação do custo-benefício de cada terapêutica. Essa decisão deve ser sempre precedida de informação precisa sobre a capacidade funcional e o estado cognitivo do paciente. Deve-se também atentar para todos os outros fármacos já utilizados, a fim de evitar interações medicamentosas, estratificando, sempre que possível, o estado de fragilidade de cada paciente.
A Diretriz Americana para o Tratamento da Hipertensão em Idosos propõe o fluxograma apresentado no Quadro 2.

Quadro 2 – Fluxograma para tratamento da hipertensão no idoso
Meta de controle da pressão arterial sistólica:
≤ 140 mmHg até os 79 anos
140 até 145 mmHg em ≥ 80 anos (se bem tolerados)
Mudança no estilo de vida
Não atingiu metas
Iniciar tratamento medicamentoso
Sem indicações específicas Com indicações específicas
Estágio 1
IECA, BRA, AC, diurético
Ou combinação
Estágio 2
Combinações preferenciais:
IECA ou BRA com AC ou diuréticos
Insuficiência cardíaca
IECA, BRA, BB, AC, ANT ALD, tiazídico
diabetes
IECA, BRA, AC, BB, tiazídico
Doença renal crônica
IECA, BRA
Doença arterial coronária
IECA, AC, BB, tiazídico
IECA: inibidores da enzima conversora de angitensina, BRA: bloqueador do receptor de angiotensina; AC: antagonista de cálcio, BB: betabloqueador; ANT ALD: antagonista da aldosterona

 
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