“O momento conturbado pelo qual estamos passando tem trazido a questão da morte mais presente. Não só pelas pessoas que têm falecido com covid-19 e seus familiares, mas porque todos temos vivido incertezas em relação ao futuro e nossos planos”, disse o geriatra e paliativista Edison de Oliveira Vidal, professor da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP) e membro da diretoria da SBGG-SP, na abertura do webinar sobre planejamento antecipado de cuidados para idosos na pandemia. O webinar é o quarto realizado por meio de uma parceria da SBGG-SP com a Danone. A mediação foi feita pelo geriatra Marcelo Valente, presidente da SBGG-SP.
Considerando a falta de ventiladores em função da covid19 e o difícil papel de muitos profissionais de saúde, que teriam de “escolher” o paciente de acordo com o número de equipamentos disponíveis, Vidal destaca que há inúmeras perguntas que os médicos deveriam fazer previamente a seus pacientes.
“Como saber se, como médico, estou fazendo a coisa certa? Estou respeitando o desejo prévio do paciente e da família dele? Ele gostaria de ser mantido vivo em situação que talvez ele considere pior que a morte?”, questionou.
Para esse planejamento antecipado de cuidados, boa comunicação é essencial. “Muitos médicos temem ter uma conversa sobre finitude com seus pacientes, mas isso não é tão complicado assim”, explicou.
O primeiro passo é entender o que é sofrimento. “A gente quer aliviar sofrimento dos pacientes, mas nem sabemos o que é isso e acabamos lançando mão de intervenções com a melhor das intenções, mas que causam mais sofrimento”, disse o geriatra. Para começar a entender o sofrimento, ele recomenda o livro The Nature of Suffering and the Goals of Medicine, de Eric Cassell, da Oxford University Press. “Todo estudante de medicina e de todas as profissões em saúde deveriam ler esse livro quando começar a ter aulas práticas em sua formação”, indicou.
Segundo o médico, o sofrimento é algo que se sente diante de uma situação que impõe ameaça à integridade do indivíduo como um todo – corpo, identidade, posição social, posição familiar, etc. Por causa disso, cada um o entende de maneira individual. “E só há um jeito de descobrir o que cada um entende como sofrimento: perguntando”, disse.
Para isso, ele deu dicas aos médicos que assistiam ao webinar de como ter essa conversa com os pacientes em alguns passos:
- Prepare-se e reserve seu tempo para isso, sem pressa. Levante dados do paciente e o prognóstico. Prepare seu estado de espírito, pois você deve passar serenidade na conversa. Esteja presente, conectado ao paciente, aberto e sem fazer julgamentos. Esteja atento ao significado dos sentidos por trás da palavras, gestos e silêncios do paciente.
- Avalie a percepção do paciente e da família. Se a família estiver presente, melhor ainda. Como está vivenciando a situação da pandemia? Quais as preocupações no momento? Imaginou-se com coronavírus? O que sentiu em relação a esse pensamento?
- Faça o convite e aborde eventuais barreiras, usando, por exemplo, a frase: “Essa pandemia tem trazido muitas incertezas e medos para todos e eu tenho procurado conversar com meus pacientes para entender o que é mais importante para eles e como eles gostariam de ser cuidados, caso venham a ter uma infecção grave pelo coronavírus. Podemos conversar a esse respeito?”
- Identifique um representante: pergunte quem o paciente gostaria que tomasse decisões caso não consiga se comunicar. Incentive o paciente a dividir o que gostaria com essa pessoa.
- Explore e articule valores, por exemplo: “Nesse momento, quais são as coisas mais importantes na sua vida?”, “Quais seriam suas maiores preocupações, caso pegasse o coronavírus?”, “Você já viu alguém que estivesse numa situação que considera pior que morte?”
- Se necessário, use exemplos de situações clínicas críticas, como “Se tiver Covid19 e começar a ter falta de ar forte, o senhor nem conseguirá falar. Nessa situação, eu posso fazer várias coisas. Alguns gostariam de ser levados ao hospital, outros não. Alguns gostariam de estar em ventilação mecânica em UTI, mesmo que as chances de recuperação fossem baixas, outros, não. Como o senhor gostaria que procedêssemos, no seu caso?”.
- Recapitule e confirme sua compreensão.
- Avalie o grau de liberdade que o paciente daria a seu representante – se ele permite ou não ao familiar mudar a conduta, mesmo que seja contrária ao que falou previamente.
- Documente a discussão de planejamento antecipado de cuidados. No prontuário, em local fácil de ser identificado, como no cabeçalho de evolução. Coloque também no receituário “Eu, (nome do médico), conversei com o paciente na presença do familiar (nome do familiar) e ele disse (explicite o que foi discutido)”. Coloque seu telefone no prontuário para que um médico na emergência ou pronto socorro possa ligar a você para confirmar.
“Se a pandemia servir para, além de reduzir a poluição, nos preparar para esse tipo de cuidado com nosso paciente, será ao menos um efeito positivo”, finalizou Vidal.
Para assistir ao webinar completo, acesse aqui.