A sala usada pelo programa Faça Memórias no Museu Brasileiro de Esculturas (MuBE), em São Paulo, é espaçosa e bem organizada. Sobre as bancadas, um arsenal para todos os trabalhos manuais que a imaginação conseguir criar: glitter, tesoura, cola, papel, contas e barbantes das mais variadas cores e um sem fim de outros itens que viram arte nas mãos certas.
É nesse espaço inspirador que acontecem as atividades coordenadas por Cristiane Pomeranz e Juliana Naso na iniciativa, voltada para idosos que tenham algum comprometimento cognitivo e motor. “O Faça Memórias é nossa ‘menina dos olhos’, pois como arteterapeutas, uma de nossas metas é mostrar a arteterapia como uma potente intervenção não medicamentosa na qualidade de vida dos idosos com demência”, explica Cristiane.
Inspirado no projeto Meet me at MoMA, do Museu de Arte de Moderna de Nova York, o projeto teve início em 2009. Em 2012, com apoio da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, conseguiram trazer 38 idosos com doença de Alzheimer. Com o fim da verba, tornou-se um curso pago do MuBE e hoje conta com 18 idosos, que participam nas aulas da manhã (10h-12h) ou da tarde (14h-16h).
O programa é desenvolvido em duas partes. A primeira acontece no ateliê de artes, onde os idosos desenvolvem atividades como artesanato, pintura e colagem. O foco é sempre proporcionar a autonomia e o resgate de sua história pessoal. “Trabalhar com arte exige o foco na atenção e no planejamento, fatores prejudicados pela idade e por diversos diagnósticos”, explicou Cristiane.
No dia de nossa visita, a atividade era a decoração de luminárias japonesas, inspiradas numa maquete do jardins do pintor francês Monet. Enquanto as participantes iam colando borboletas e outros detalhes no globo de papel, Cristiane ia perguntando quem gostava de jardins, se alguém frequentava algum parque, de forma a resgatar memórias dos participantes. E assim uma aula de artes se tornava um misto de exercício de coordenação, memória e diversão.
Na segunda metade do curso o idoso é convidado a visitar as exposições do museu, onde as obras de arte expostas são usadas como estímulo de memória, temas de conversas e atividades elaboradas. “No Alzheimer, a atenção é a primeira coisa a ser prejudicada, o que impede que novas memórias sejam retidas. Portanto, fazê-los manter a atenção na obra para a qual estão olhando é nosso grande objetivo”, conta a arteterapeuta. “Para isso elaboramos diversos tipos de atividades e colocamos sempre em pauta temas de conversas que possam ajudá-los a compartilhar suas próprias histórias com o grupo.”
A exposição naquele dia era uma série de fotos sobre Jerusalém, que a arteterapeuta Maria Rita Rayel usou para estimular os idosos. “Quem consegue achar a vassoura aqui nessa foto?”, perguntou. “Está aqui!”, responde uma das participantes, apontando para a soleira da porta. “Mas isso é uma vassoura?”, respondeu Maria Rita, convidando os outros a participar da discussão.
Elvira Severino Schaeffer, de 91 anos, é aluna assídua do grupo. Dona de ótimo senso de humor, evidente mesmo com a doença de Alzheimer, ouvia atenta as explicações das fotos que compunham a exposição. Diante de determinada fotografia, Maria Rita menciona que Jesus havia sido traído por Judas Iscariotes. Ao que Elvira respondeu: “Olha, eu não estava lá para ver, mas você sabe que toda a verdade tem dois lados, né?”.
Apostar no momento
Os benefícios do programa são visíveis para quem convive com os participantes. Muitos familiares e cuidadores relatam que o idoso não se lembra de muitas coisas, mas muitos perguntam: “É hoje o dia em que vou ao museu?”.
Cristiane também lembra que a socialização proporcionada pelo curso ajuda a criar vínculos de afeto. “Tínhamos uma idosa que sempre dizia que era a primeira vez que ela participava das aulas, mas sempre que chegava aqui dava a mão para a mesma pessoa, que era sua amiga”, lembra.
A arteterapeuta afirma que o curso também é uma oportunidade para tirar o idoso de sua zona de conforto. A ideia é criar uma ponte entre a saúde e a arte, embora muitos familiares não vejam sentido em tal atividade, já que o idoso vai eventualmente se esquecer dela. Cristiane discorda: “Nós apostamos no momento. Outro dia uma filha veio me dizer: Minha mãe sai daqui com um sorriso tão grande que, mesmo sabendo que ela vai esquecer o que fez aqui, esse sorriso vale.”
“Nosso principal objetivo nesse projeto é o estímulo de atenção e pensamento, além do convívio social,”, conclui Cristiane. “Nunca focamos na doença. Focamos sempre no que ainda é possível.”
Com Revista Aptare
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