A avaliação geriátrica ampla (AGA), uma ferramenta para melhorar o atendimento a idosos diabéticos

cri norte

Dr. Carlos André Uehara

Médico geriatra

Diretor Executivo do Centro de Referência do Idoso da Zona Norte – CRI Norte

1º Vice–presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia  de São Paulo – SBGG/SP

Tamara Nogueira Petroni

Enfermeira no Centro de Referência do Idoso da Zona Norte (CRI Norte/ ACSC)

Mestranda em Gerontologia na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP)

Membro do Estudo SABE (Saúde Bem-Estar e Envelhecimento) – Faculdade de Saúde Pública da USP

Tema: A avaliação geriátrica ampla (AGA), uma ferramenta para melhorar o atendimento a idosos diabéticos

Estudo:  L’évaluation gérontologique standardisée, un outil pour améliorer les soins aux personnes âgées diabétiques

Fonte: NPG Neurologie – Psychiatrie – Gériatrie, 2014, 468: 1-5

Na França e na Europa, cerca de metade dos diabéticos está acima de 65 anos e um quarto acima dos 75 anos, com um impacto de 10% nos custos diretos de cuidados de saúde. Esses pacientes podem desenvolver comorbidades significativas e, consequentemente, apresentar risco para as chamadas síndromes geriátricas (quedas, incontinência, prejuízo cognitivo, desnutrição, demência).
O acúmulo de comorbidades pode causar comprometimentos funcionais e influenciar na expectativa de vida e nas necessidades de saúde dessa população. Em algumas situações pode levar à morte, dependência, descompensação de uma doença grave e hospitalização, entre outras consequências. A fragilidade é associada a comorbidades e à incapacidade funcional, e a sua identificação é realizada por meio da combinação de três ou mais das seguintes características: perda de peso, baixa resistência, fraqueza muscular e diminuição da atividade física.
O paciente diabético idoso tem muitas razões para ser frágil, pois sua saúde é muitas vezes prejudicada, principalmente nos aspectos físicos. Os fatores determinantes da piora da qualidade de vida para esses pacientes incluem a hipoglicemia grave, a dependência de atividades instrumentais e a hospitalização de mais de 24 horas no ano. Assim, para minimizar as suas complicações é necessária uma avaliação efetiva do paciente.
Uma conferência com a participação da International Association of Geriatrics and Gerontology (IAGG), da European Diabetes Working Party for Older People (EDWPOP) e da International TaskForce of Expert in Diabetes (ITFED) determinou a importância da identificação e da consideração das comorbidades no cuidado em pacientes diabéticos através da Avaliação Geriátrica Ampla  (Évaluation Gérontologique Standardisée – EGS), abordando os aspectos mentais, nutricionais, sociais, funcionamento físico e dependência, e comorbidades.
Estado Mental: As ferramentas utilizadas são o MEEM (Mini Mental State Examination- MMSE) para avaliar a função cognitiva; o teste do relógio analisa a capacidade do doente na administração do seu autocuidado com o diabetes e o teste cronometrado da contagem do dinheiro prevê a velocidade de decisão humana. No hospital, o delírio deve ser procurado pelo CAM (Confusion Assessment Method). O GDS (Escala de Depressão Geriátrica) pode ser usado para avaliação de anomalias e transtornos de humor.
Funcionamento físico e dependência: A avaliação funcional física é muito importante, devido à maior frequência de distúrbios de marcha e quedas em pacientes diabéticos. Essa afirmação é baseada na existência de hipoglicemia, diminuição da força muscular, obesidade, neuropatia e hipotensão ortostática relacionada, em muitos casos, ao tratamento anti-hipertensivo concomitante. Há a avaliação das atividades instrumentais e básicas da vida diária, sensibilidade dos pés, presença de edema, ferida, infecções fúngicas, déficit visual e incontinência urinária.
Nutrição: O índice de massa corpórea (IMC) médio de pacientes idosos diabéticos é maior do que o de outras pessoas da mesma idade. A partir disso, a avaliação nutricional é realizada pelo MAN (Mini Avaliação Nutricional).
Comorbidade: Um levantamento histórico, exame clínico e a triagem clínica dos cânceres mais comuns (mama, próstata, cólon, pulmões) são realizados para melhor determinar esse aspecto de saúde. Fatores de risco vasculares serão reavaliados, especialmente para o tratamento de pressão arterial elevada. Nessa etapa serão também avaliados dor, pele, doenças relacionadas à função renal, risco iatrogênico e vacinações.
Social: Necessidades sociais dos pacientes e de seus cuidadores também serão observadas. A partir disso, serão realizadas orientações para aspectos financeiros e suporte social, conforme necessário.
 
Conclusão: a AGA oferece um método de cuidado adaptado para a complexidade de pacientes idosos diabéticos. Com isso, é possível esperar do sistema de saúde um cuidado eficiente e que, consequentemente, promoverá uma melhor qualidade de vida a essa população.
Comentários: A característica comum do envelhecimento é a presença simultânea de múltiplas doenças e agravos crônicos não transmissíveis. Quando não controlados, podem gerar limitações funcionais e dependência, interferindo significativamente na qualidade de vida dos idosos. O Diabetes Mellitus tipo 2 está entre as patologias crônico-degenerativas com níveis crescentes de incidência e prevalência em idosos em todo mundo, sendo muito associado ao risco de eventos cardiovasculares, alterações renais e oftalmológicas, neuropatia periférica, úlceras e amputações de membros inferiores. O cuidado com o diabetes normalmente é complexo e demorado, baseado em muitas áreas do cuidado à saúde, com necessidade de mudanças sociocomportamentais.
Esse estudo de Bourdel-Marchasson e Danet-Lamasou fomenta a necessidade da avaliação, orientação e cuidado adequados no tratamento de idosos diabéticos. A AGA é um instrumento que aborda diversos aspectos da saúde do idoso e da sua funcionalidade para uma assistência e tratamento mais efetivos, por meio de um melhor conhecimento do indivíduo.
No Centro de Referência do Idoso da Zona Norte de São Paulo há uma atenção integral aos idosos diabéticos, com uma abordagem multi e interdisciplinar. As atividades são realizadas por uma equipe constituída de médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, terapeutas ocupacionais e educadores físicos, em que os determinantes de saúde ao longo de todo o curso de vida (sociais, econômicos, comportamentais, sociais, pessoais, culturais e de acesso a serviços) são considerados. Nesse grupo são atendidos, em média, de dez a quinze idosos, acompanhados duas vezes por semana ao longo de três meses.
Ações que envolvem uma avaliação funcional prévia em níveis preventivos na incidência de complicações agudas e crônicas, reabilitação de doenças e agravos, atividades educativas, promoção e orientação à saúde em geral, apresentaram em aproximadamente oito anos de atuação do grupo, progressos na adesão dos pacientes, com melhora e/ou estabilização do seu quadro clínico, social e psicológico. Os esforços também são direcionados para uma maior integração da equipe multiprofissional, em benefício do paciente portador de diabetes, com o fim de identificar estratégias que motivem os idosos, cuidadores e familiares no processo de autocuidado.
A perda ou diminuição da capacidade funcional pode ocorrer pela evolução da própria doença crônico-degenerativa, por uma má administração ou pela inadequada assistência recebida, seja familiar, social ou institucional. Essas incapacidades comprometem a independência e autonomia dos idosos, impedindo o seu próprio cuidado na vida diária. Assim, a orientação e incentivo na realização de atividades cotidianas são ações importantes para a manutenção de um envelhecimento ativo que proporciona a melhora da autoestima, a prevenção do declínio cognitivo e, consequentemente, aumento da qualidade de vida.
Para um cuidado mais efetivo a essa população, é necessário investir e ampliar ações na assistência em toda rede de atenção à saúde por meio de uma equipe interdisciplinar, aliada à capacitação dos profissionais de saúde na área da geriatria e gerontologia mediante estratégias de educação permanente.