Afasia: impacto na qualidade de vida e intervenção fonoaudiológica

Por Flávia Augusta Sousa e Silva
Fonoaudióloga – Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP/2007)
Especialista em Gerontologia – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/2009), pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e pela Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia (SBFa)
Mestre em Ciências Médicas – Universidade de Fortaleza (2019)
Co-fundadora da PROSA @prosaidoso

 

A afasia é um transtorno de linguagem adquirido após um evento agudo no cérebro, sendo o mais comum o AVE – Acidente Vascular Encefálico. Não há prevenção para o quadro de afasia, mas sim para a ocorrência do AVE que, de acordo com os dados da American Heart Association (1), tem uma prevalência em todo o mundo de aproximadamente 33 milhões de pessoas, ocupa o segundo lugar no topo de doenças que mais acometem vítimas com óbitos no mundo e é a primeira causa de incapacidade.

No Brasil, o AVE é a causa mais frequente da busca pelo serviço de assistência domiciliar, tanto no setor público quanto no privado, e a primeira causa de internação, mortalidade e incapacidade, superando até mesmo o câncer e as doenças cardíacas. (2) A afasia após AVE representa uma grande incapacidade para o paciente e traz um impacto muito negativo na qualidade de vida relacionada à saúde, aumentando o risco de depressão e menor probabilidade de retorno ao trabalho. (3)

O quadro afásico

Um quadro afásico traz como resultado alterações nas capacidades de expressão, compreensão, leitura e/ou escrita, que podem ocorrer juntas ou de forma independente e variam em relação ao grau de severidade. Existem alguns fatores que são marcadores de prognóstico como, por exemplo, a localização e extensão da lesão cerebral e o nível de escolaridade prévia que se relaciona à reserva cognitiva. O diagnóstico da presença de uma alteração na linguagem é feito pelo médico após a percepção, normalmente vinda da família e de pessoas próximas, de diferenças nas habilidades comunicativas do paciente. A partir disso, passa a ser fundamental uma avaliação fonoaudiológica detalhada do quadro de linguagem. O fonoaudiólogo é o profissional especializado capaz de realizar essa avaliação e, para isso, dispõe de instrumentos validados que podem avaliar a linguagem de forma detalhada nos níveis fonético-fonológico, morfológico, sintático, semântico e pragmático.

Somente após essa caracterização da linguagem é possível definir o tipo de afasia, estabelecer os objetivos terapêuticos e dar início à intervenção. Esse conhecimento preciso dos sintomas e fatores associados com a afasia são essenciais para fornecer cuidados ideais aos pacientes com esse distúrbio de linguagem. (3)

Impacto da afasia na qualidade de vida

É importante considerar que o comprometimento da comunicação traz impacto não só para a vida do paciente, mas também de sua família e sociedade. A interação humana ocorre, sobremaneira, através da linguagem verbal, do diálogo e não dispor dessa função gera dificuldades em transmitir pensamentos, sentimentos, desejos e necessidades, o que cria uma barreira de comunicação e pode trazer impactos psicossociais.

Existem diversas possibilidades de tratamento para os quadros afásicos, mas o que é senso comum é que quanto mais precoce for a avaliação específica e o início dos estímulos para a linguagem, maiores são as chances de reverter total ou parcialmente os déficits gerados pela afasia. (4)

Objetivos da intervenção fonoaudiológica

O objetivo global da intervenção fonoaudiológica é o de recuperar a capacidade de comunicação e interação do sujeito afásico através da via com maior chance de reabilitação. Para isso, a intervenção fonoaudiológica pode fazer uso da Comunicação Suplementar e/ou Alternativa; dos pressupostos da Neurolinguística-Enunciativa Discursiva, pode ainda implementar programas terapêuticos a partir da tarefa de fluência verbal em categorias semânticas e fonológicas e, mais recentemente, a Estimulação Transcraniana por corrente contínua aliada à terapia tradicional fonoaudiológica tem apresentado bons resultados. (5)

Não há consenso sobre qual a melhor forma de tratamento, salvo a noção de que, qualquer que seja ela, deve ser assídua. É fundamental que os objetivos terapêuticos traçados sejam apresentados e validados pela família e, quando possível, pelo paciente, deixando claro desde o início que a intervenção fonoaudiológica não buscará fazer com o que o paciente fale ou seja como era antes do AVE, mas sim que ele possa, aos poucos, ser reinserido em situações de interação e de participação social que tenham valor e sentido para ele e sua família, ainda que de uma forma alternativa. (4)

E, por fim, não só no contexto terapêutico, mas também nas interações naturais que o paciente fará com seus familiares e pessoas próximas. É importante incentivar a valorização dos ganhos parciais para que estes se configurem como um incentivo para dar continuidade, mesmo diante de situações de frustração ou de grandes desafios relacionados à comunicação.

Referências:

  1. Virani SS, Alonso A, Benjamin EJ, Bittencourt MS, Callaway CW, Carson AP, et al. Heart disease and stroke statistics—2020 update a report from the American Heart Association. Vol. 141, Circulation. 2020. 139–596 p.
  2. Carnaúba CMD, Silva TDA e, Viana JF, Alves JBN, Andrade NL, Trindade Filho EM. Clinical and epidemiological characterization of patients receiving home care in the city of Maceió, in the state of Alagoas, Brazil. Rev Bras Geriatr e Gerontol. 2017;20(3):352–62.
  3. Grönberg A, Henriksson I, Stenman M, Lindgren AG. Incidence of Aphasia in Ischemic Stroke. Neuroepidemiology. 2022;1–9.
  4. Le H LM. Aphasia [Internet]. StatPearls Publishing. 2022 [cited 2022 Aug 9]. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK559315/
  5. Aneta Kielar, Dianne Patterson YC. Efficacy of repetitive transcranial magnetic stimulation in treating stroke aphasia: Systematic review and meta-analysis. Clin Neurophysiol. 2022;140:196–227.