As demências constituem um grave problema de saúde pública e não podem passar despercebidas. De acordo com Global Burden of Disease, estima-se que há 1,8 milhões de pessoas que vivem com algum tipo de demência no Brasil – sendo mais da metade dos casos doença de Alzheimer.
A comunidade científica segue em sua incessante busca por tratamentos mais eficientes e maneiras de impedir a progressão do Alzheimer, contribuindo, dessa forma, para ampliar a qualidade de vida da pessoa. Entretanto, nos últimos meses, artigos sobre o uso do canabidiol nas demências, principalmente em pessoas com Alzheimer, têm sido divulgados na mídia com relatos de redução e estabilidade dos sintomas. Ressaltamos que essas apresentações são baseadas em relatos de casos, não sendo possível confirmar a eficácia e a segurança desses tratamentos à base de Cannabis medicinal nas pessoas idosas – uma vez que ainda se encontram em fase experimental, com testes realizados em poucos participantes e em curtos períodos.
A fim de prestar esclarecimentos, a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) elaborou um manifesto sobre o uso da Cannabis medicinal nas demências, apresentando evidências cientificas atualizadas. Destacamos alguns trechos:
“Os canabinoides estão sendo investigados para o tratamento da demência com resultados não uniformes até o momento. Uma revisão sistemática da Cochrane que incluiu dados de quatro ensaios clínicos de pequena duração não mostrou benefício para pacientes com demência.1 Uma outra revisão conduzida pela Associação Brasileira de Neurologia concluiu que não há evidências científicas que apoiem o uso dos canabinoides para o tratamento dos sintomas cognitivos ou neuropsiquiátricos da doença de Alzheimer, tampouco para a reversão ou estabilização da doença, que apresenta evolução progressiva.²
Sendo assim, de acordo com a evidência cientifica atual, o uso de terapias medicamentosas à base Cannabis não é aprovado como um tratamento que modifique a história natural das demências, incluindo a doença de Alzheimer. Evidências científicas limitadas sugerem que a Cannabis medicinal pode ser eficaz no controle de sintomas neuropsiquiátricos associados à demência, como por exemplo, agitação, desinibição, irritabilidade, comportamento motor aberrante, distúrbios de comportamento noturno e vocalização aberrante.3
Entretanto, devido a limitações metodológicas desses estudos, que incluem baixo número de participantes e período curto de acompanhamento, há a necessidade de mais ensaios clínicos randomizados e controlados com placebo para confirmar a eficácia da Cannabis medicinal na melhora dos sintomas cognitivos e comportamentais associados às demências.1,4 Estes estudos também devem explorar os efeitos adversos associados a essa medicação, visto que os ensaios clínicos realizados até o momento deixam dúvidas sobre a segurança dos canabinoides em populações vulneráveis, como em idosos com demência.1”
Referências:
1. Bosnjak Kuharic D, Markovic D, Brkovic T, Jeric Kegalj M, Rubic Z, Vuica Vukasovic A, Jeroncic A, Puljak L. Cannabinoids for the treatment of dementia. Cochrane Database of Systematic Reviews 2021, Issue 9. Art. No.: CD012820. DOI: 10.1002/14651858.CD012820.pub2.
2. Brucki SMD et al. Canabinoids in Neurology. Arq. Neuro-Psiquiatr. 79 (04) • Apr 2021
3. Peprah K, McCormack S. Medical Cannabis for the Treatment of Dementia: A Review of Clinical Effectiveness and Guidelines [Internet]. Ottawa (ON): Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health; 2019 Jul 17.
4. Hillen JB, et al. Safety and effectiveness of cannabinoids for the treatment of neuropsychiatric symptoms in dementia: a systematic review. Ther Adv Drug Saf. 2019 May 15;10:2042098619846993. doi: 10.1177/2042098619846993.
5. Nichols E, et al. Estimation of the global prevalence of dementia in 2019 and forecasted prevalence in 2050: an analysis for the Global Burden of Disease Study 2019. The Lancet Public Health, Janeiro 2022.
Autores do texto: Dra. Claudia Kimie Suemoto, Dr. Fabio Campos Leonel, Dra. Ivete Berkenbrock (presidente da SBGG), Dra. Christiane Machado (Diretora Científica da SBGG).