Cuidados paliativos no paciente com demência avançada: o que precisamos saber?

Estima-se que o número de pessoas com demência no mundo todo será superior a 35 milhões em 2050, segundo estudo do periódico Alzheimer Disease International.
A demência é um grupo de sintomas graves o suficiente para interferir com o funcionamento diário do indivíduo, incluindo perda de memória, dificuldades de comunicação, mudança de personalidade e incapacidade para raciocinar. A doença de Alzheimer é a forma mais comum de demência, seguida da demência vascular e fronto-temporal.
As síndromes demenciais evoluem de forma a modificar a capacidade do indivíduo de realizar suas atividades cotidianas. Nas fases mais leves da doença, as atividades podem ser realizadas apenas com supervisão. Com o avançar do quadro clínico, a dependência funcional torna-se cada vez mais evidente.
Helping hands, care for the elderly conceptConsideramos que um indivíduo está em fase avançada de um quadro demencial quando há comprometimento cognitivo severo, caracterizado por inabilidade para caminhar, dificuldade de deglutição, perda de apetite, perda de peso, incontinência fecal e urinária com dependência completa até mesmo para as atividades mais simples (levar alimentos à boca, por exemplo), com consequente restrição ao leito.
Seja qual for a etiologia da demência, todas têm em comum um aspecto fundamental: são doenças crônicas, degenerativas, progressivas e, até o momento, sem cura.
Indivíduos que convivem ou cuidam desses pacientes precisam ser orientados quanto à evolução da doença para melhor entender os detalhes de cada fase e compreender até que ponto haverá resposta a tratamentos e intervenções.
O que precisamos saber sobre cuidados paliativos?
Segundo a Organização Mundial de Saúde, “cuidados paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais”.
Paliar, diferentemente do que muitos acreditam, não é apenas promover cuidados nas últimas horas ou dias de um indivíduo em seu leito de morte. A paliação consiste na abordagem precoce de todo e qualquer sintoma ou demanda (seja clínica, emocional, espiritual) que possa surgir ao longo da trajetória de um indivíduo diagnosticado com uma doença incurável.
Quando abordar cuidados paliativos nas demências?
Esse tema deve ser abordado desde o início do diagnóstico, assim que o profissional de saúde sentir que há vínculo de confiança suficiente para respostas sinceras e sem desconforto por parte dos envolvidos.
Perguntas como “ Quando o senhor estiver dependente, quem gostaria que respondesse por você?” ou “Caso haja uma piora clínica irreversível, o senhor gostaria de ser submetido a tratamentos invasivos sem que haja evidência de melhora clínica?” devem ser feitas tão logo exista um bom vínculo entre paciente, família e equipe.
Dessa forma, quando chega o momento de uma doença em fase avançada, todos sabem exatamente quais os desejos do paciente e de sua família, sem que se tomem decisões por impulso ou impensadas.
Como saber se a pessoa com demência se encontra em estágio avançado com indícios de final de vida?
Pneumonia e outras infecções, bem como problemas alimentares, são as principais causas de morte desses indivíduos. Todas elas são consequências diretas do estado de dependência funcional completa e imobilidade decorrentes da própria demência.
Por conta disso os pacientes em estágio avançado das demências podem apresentar:

  • Déficit de memória profunda, de tal forma que eles não reconhecem familiares próximos
  • Dificuldade para se comunicar (falam menos do que seis palavras)
  • Incontinência urinária e/ou fecal
  • Trofias e contraturas musculares
  • Infecções recorrentes
  • Úlceras de pressão
  • Falta de ar
  • Aspiração de conteúdo de orofaringe

Por que são importantes os cuidados paliativos neste contexto?
No estudo do grupo coordenado por Susan Mitchell, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, muitos pacientes com demência em fase avançada são submetidos a intervenções de benefício questionável nos últimos três meses de vida, levando a maior sofrimento do paciente e da família sem que haja benefício para melhora da qualidade ou do tempo de vida.
Segundo seus estudos, isso poderia ser evitado se os familiares:

  • Questionassem a utilidade de determinado tratamento;
  • Recebessem orientações sobre as possíveis complicações clínicas de determinados procedimentos,
  • Escolhessem junto com os profissionais de saúde a melhor forma de promover o bem- estar da pessoa com demência em fase avançada.

Esforços nunca devem ser medidos no sentido de promover melhora da qualidade de vida e de cuidados no final da vida de qualquer indivíduo. No caso dos pacientes com demência avançada, por não poderem mais exprimir seus desejos, cabe à família e à equipe de saúde a tomada de decisões que promovam conforto e dignidade.
Nesse sentido, clarificar as dúvidas com a equipe assistente é a melhor ferramenta para o cuidado da pessoa com demência e seus familiares.
 
Gislaine Gil – Neuropsicóloga pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo; mestre em gerontologia social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; membro da diretoria da SBGG Seção São Paulo; fundadora do Vigilantes da Memória
Ana Beatriz G. Di Tommaso – Médica Geriatra; especialista pela SBGG e da Comissão Nacional de Residência Médica – CNRM; preceptora do Ambulatório de Longevos da Disciplina de Geriatria e Gerontologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp); vice-supervisora do Programa de Residência Médica em Geriatria e Gerontologia da EPM/Unifesp