Há pouco tempo, doação de órgãos e transplante não eram assunto para idosos. Por um lado, os seniores não eram vistos como potenciais doadores, porque os órgãos já eram considerados velhos e com baixa funcionalidade. Por outro, não eram também qualificados para receber um transplante porque o investimento não valia a pena devido ao pouco tempo de vida pela frente e pela alta taxa de rejeição nesse grupo. Felizmente, essas concepções ficaram ultrapassadas.
O Dia Mundial do Coração, 29 de setembro, mês em que também se realiza a campanha de conscientização para doação de órgãos, é uma boa data para celebrar as mudanças no paradigma (e nas diretrizes) para transplante cardíaco. Nos Estados Unidos, as diretrizes para transplante desse órgão, atualizadas após 10 anos do lançamento da primeira versão e publicadas em 2016 pela International Society for Heart Lung Transplantation, tiraram o critério de idade como fator excludente para receber um coração. Se antes a idade de 70 anos era vista como um critério absoluto para exclusão, hoje é considerada como relativo.
A diretriz recomenda que os pacientes acima dessa idade sejam selecionados cuidadosamente. Ela sugere ainda que sejam usados órgãos de doadores idosos, citando a que a recomendação segue nível de evidência C, classe IIb, ou seja, que a segurança e utilidade/eficácia não está muito bem estabelecida, com resultados em estudos com limitações.
A II Diretriz Brasileira de Transplante Cardíaco é a mais recente e foi publicada em 2010, ainda seguindo a recomendação de restringir a faixa etária. A prática, no entanto, começa a mudar, não apenas para o transplante de coração.
“Atualmente não se considera que a idade seja uma barreira importante. O que mais impacta são as condições gerais do candidato ao transplante, que ele não tenha outras doenças significativas que possam tornar o procedimento muito arriscado”, explica o nefrologista Roberto Manfro, presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO).
Pesquisas mostram transplantes bem-sucedidos entre idosos
Se um dos motivos para a não realização de transplantes cardíacos em idosos era a alta taxa de insucesso por conta de rejeição, algumas pesquisas têm mostrado que esse argumento já não é mais válido, graças ao aumento da longevidade e da qualidade de vida nos anos avançados.
Há alguns estudos indexados no Pubmed que apontam que não há diferença de sobrevida e complicações entre pacientes transplantados com mais de 70 anos quando comparados a outros mais jovens. Um desses estudos foi publicado em 2011 no periódico Transplantation Proceedings, e analisou durante 20 anos mais de 500 pacientes pós-transplante cardíaco ortotópico (em que o coração é substituído por outro), dividindo-os em três grupos. Grupo 1, com 37 casos, pacientes acima dos 70 anos de idade. Grupo 2, com 206 casos, pacientes entre 60 e 69 anos. Grupo 3, com 276 pacientes com menos de 60 anos. Como resultado, não houve diferença significativa na taxa de sobrevivência entre os três grupos após 10 anos de procedimento. Assim como também não houve diferença significativa nos eventos secundários como sangramento, diálise pós-operatória e média de dias de intubação pós-cirúrgica.
Idosos também podem doar
Segundo as estatísticas sobre doadores de órgãos da ABTO, tem aumentado o número de doadores de órgãos acima dos 65 anos. Em 2017, entre os meses de janeiro e março, 10% dos doadores estavam acima dessa faixa etária. Isso foi possível, segundo Manfro, porque, além de os idosos hoje viverem com mais saúde, as técnicas, exames de avaliação e tratamentos evoluíram, possibilitando a inclusão desse grupo como doador.
“É crucial, no entanto, que as equipes médicas avaliem com segurança as condições dos órgãos para transplantes para que eles desempenhem uma boa função no receptor. E hoje isso é possível”, afirma.
Manfro diz que a entrada desse grupo etário entre os doadores é motivo de comemoração. “É uma grande contribuição que esses órgãos possam ser usados, e os transplantes têm sido exitosos.”
Sobre a principal barreira para o uso dos órgãos cujo doador seja um idoso, Manfro diz que não há diferença por conta da faixa etária. “Como para qualquer idade, é necessário o consentimento da família para a doação. E essa ainda é a principal dificuldade”, diz.
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