Gabriela Takayanagi Garcia
Marcos Alexandre Frota da Silva
Médicos residentes em Geriatria pela Unifesp
É bem consolidado na literatura atual que a grande maioria dos fatores de risco cardiovasculares se associam positivamente com desenvolvimento de comprometimento cognitivo leve (CCL) e demência em idades avançadas.
Logo, parece fazer sentido que estratégias para redução do risco cardiovascular também possam ser efetivas em melhorar a cognição e reduzir o risco de demência.
DESENHO E MÉTODOS: O estudo ENLIGHTEN (Exercise and Nutritional Interventions for Neurocognitive Health Enhancement – intervenções nutricionais e exercícios físicos para melhoria da saúde neurocognitiva) foi um ensaio clínico randomizado com idosos sedentários com queixa subjetiva de memória, evidência objetiva de comprometimento cognitivo e pelo menos um fator de risco cardiovascular (além do sedentarismo).
Pacientes foram admitidos para o estudo entre 2011 e 2016, submetidos a uma ampla bateria de testes cognitivos, avaliação de hábitos nutricionais dietéticos, da performance física e de biomarcadores de doença cardiovascular. Em seguida, foram separados em 4 grupos para a intervenção do estudo: exercícios aeróbicos associados a dieta DASH; apenas exercícios aeróbicos; apenas dieta DASH; ou apenas educação em saúde. O período de intervenção foi de 6 meses, sendo depois disso novamente feitas medidas neurocognitivas, avaliação de dieta, performance cardiorrespiratória e dos fatores de risco cardiovasculares.
Participaram deste estudo 160 idosos recrutados através de propaganda, encaminhamento médico ou convite a partir das bases de recrutamento do Centro de envelhecimento de Duke e do Centro de Pesquisa em Doença de Alzheimer de Duke. Eles foram randomizados por sexo (masculino/ feminino), idade (55 a 69 anos/ > 70 anos), Montreal Cognitive Assessment (MoCA) entre 19 e 23 ou ≥ 24 e histórico de doença cardiovascular estabelecida (positivo/negativo). Os avaliadores foram cegados quanto ao grupo intervenção de cada participante.
Os critérios de inclusão foram: idade ≥ 55 anos; ser sedentário (não poderiam praticar previamente qualquer atividade física com proposta de melhorar desempenho físico mais do que 2 vezes por semana e que durasse menos que 30 minutos); ter queixa cognitiva subjetiva e pontuar 19 a 25 no MoCA ou ≤ 12 na fluência verbal para letras ou ≤ 15 na fluência verbal para animais.
Os critérios de exclusão foram: presença de doença psiquiátrica maior, demência ou aqueles incapazes de realizar exercícios físicos devido a problemas musculoesqueléticos ou cardíacos.
O endpoint primário da pesquisa foi a avaliação global do domínio cognitivo executivo. Os desfechos secundários incluíram avaliações globais da memória; fluência verbal, linguagem e pontuação no CDR (Clinical Dementia Rating).
As avaliações neurocognitivas foram realizadas através de uma bateria de testes validados para três principais domínios cognitivos (função cognitiva; memória e linguagem/fluência verbal). Além disso houve sistematização clara e adequada, a nosso ver, na avaliação inicial e seguimento da capacidade física; hábitos alimentares, risco cardiovascular e genotipagem APOE-Ɛ4.
Os participantes dos grupos com atividade física praticaram exercícios aeróbicos por 6 meses. Nos três primeiros meses, praticaram exercícios supervisionados três vezes por semana, objetivando 70-85% da frequência cardíaca máxima. O programa de exercícios consistia em 10 minutos de aquecimento, seguido de 35 minutos de caminhada ou bicicleta estacionária. Durante os três meses subsequentes, o programa completo era realizado da mesma maneira em ambiente domiciliar, documentado e checado semanalmente pelos pesquisadores do estudo.
Pacientes dos grupos com dieta DASH foram orientados sobre as mudanças necessárias para se aproximarem dos guidelines da dieta DASH. Foi fornecida educação e feedback em relação à adesão dos pacientes por uma nutricionista em sessões semanais pelas primeiras 12 semanas e então a cada duas semanas até o final do seguimento. Estes também foram orientados a não praticar exercícios físicos.
O grupo controle recebeu apenas educação em saúde. Eles recebiam ligações telefônicas semanais de 30 minutos por três meses, depois ligações a cada duas semanas por mais três meses. Eram abordados tópicos importantes em doença cardiovascular. Eles foram orientados a manter sua rotina prévia de dieta e exercícios pelos próximos 6 meses até que fossem reavaliados.
RESULTADOS: 460 indivíduos foram recrutados e após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 160 foram eleitos para randomização e seguimento. Houve três tipos de intervenção: dieta DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension), um programa de exercício físico aeróbico e a combinação de ambos.
Os participantes foram randomizados em quatro grupos: (1) dieta DASH (n= 41); (2) exercícios aeróbicos (n= 41); (3) dieta e exercícios aeróbicos (n= 40) e (4) apenas orientações sobre saúde (n= 39).
A idade média dos participantes foi de 65,4 anos; além disso, na amostra havia 66% mulheres, 13% das pessoas possuía doença coronariana documentada, 4% já tinham tido ataque isquêmico transitório. O risco cardiovascular médio dos pacientes era de 15,4% (DP 11,2) e o score de Framingham de 9,7% (DP 4,2), sugerindo risco cardiovascular moderado. 76% dos pacientes eram hipertensos, 48% tinham dislipidemia e 33% tinham pelo menos um alelo APOE e4. Houve boa adesão às intervenções e não houve perdas/desistências durante o período do estudo.
Comparados aos grupos que se mantiveram sedentários, os participantes dos grupos que incluíram exercícios físicos tiveram melhora significativa da capacidade aeróbica, documentada por melhora do VO2 máximo (p< 0,001), no tempo de esteira (p< 0,001), na distância da caminhada em 6 minutos (p< 0,001) e no número de passos/dia (p< 0,001).
Participantes dos grupos com dieta DASH alcançaram melhores resultados no plano dietético quando comparados aos grupos sem dieta (2,1 [1,8-2,4] vs 0,0 [-0,3 a 0,3], p<0,001). A análise dos componentes isolados da dieta DASH demonstrou que aqueles dos grupos com dieta aumentaram o consumo de potássio (p< 0,001), magnésio (p< 0,001), cálcio (p< 0,001) e diminuíram ingesta de sódio (p< 0,001) em relação aos demais.
Tanto pacientes que estiveram sob intervenção com dieta DASH, quanto os com exercícios obtiveram redução do risco cardiovascular. Participantes dos protocolos com dieta DASH tiveram redução no colesterol total (-10,5 [5,6-15,5]mg/dl, p = 0,015), redução de peso (-4,0 [2,5-5,5] libras, p = 0,018), diminuição do LDLc (-7,1 [3,0-11,3] mg/dl, p=-,045).
Não houve diferença nos valores finais da pressão arterial sistólica entre os grupos intervenção, no entanto, os grupos com dieta DASH tiveram redução nas doses de medicação anti-hipertensiva (-0,24 [-0,06 a -0,42] DDD, p = 0,003).
DISCUSSÃO: Os resultados demonstraram que um programa de exercícios físicos aeróbicos (3 vezes por semana durante 6 meses) foi capaz de melhorar o desempenho cognitivo (funções executivas) em idosos com risco cardiovascular moderado e comprometimento cognitivo leve documentado previamente.
Os participantes que praticaram exercícios físicos aeróbicos apresentaram melhorias estatisticamente significativas nas funções executivas, melhora não observada entre os que se mantiveram sedentários ou apenas com a dieta DASH.
A melhora no desempenho cognitivo foi ainda maior quando se comparou os pacientes do grupo intervenção combinada (exercício + dieta) com o grupo controle, mas este possível efeito aditivo deve ser interpretado com cautela, já que se tratou de um estudo com amostra pequena e não desenhado para tal interpretação dos dados.
A dieta DASH isoladamente não se associou à melhora cognitiva em nenhum dos domínios avaliados.
CONCLUSÕES: Os resultados obtidos podem ter sido influenciados pela inclusão preferencial de indivíduos com comprometimento cognitivo frontal e vascular, condições clínicas frequentemente relacionadas à disfunção executiva. Os participantes tinham comprometimento cognitivo predominantemente executivo (45%) e menor comprometimento amnéstico (apenas 25% dos participantes tiveram baixos resultados nos testes de evocação).
A avaliação da fluência verbal e da linguagem foi feita apenas com dois testes (COWA e nomeação de animais), o que pode não ter sido suficiente para identificar mudanças nestes domínios cognitivos após as intervenções realizadas.
Os pacientes eram muito motivados, com nenhuma desistência durante o estudo, o que pode extrapolar os resultados obtidos em populações menos participativas, mas demonstram que bons níveis de adesão a mudanças no estilo de vida podem sim, ser obtidos mesmo entre idosos com comprometimento cognitivo.
O tempo de duração do estudo foi de 6 meses, o que limita a avaliação do benefício obtido a longo prazo. O desenho do estudo e seu poder estatístico podem não ter sido suficientes para identificar diferenças entre os grupos que receberam modalidades de intervenção isoladas (apenas exercício ou dieta).
Esse estudo gerou evidencia nível I que em adultos com CCL; exercício físico ao contrário da dieta DASH, é capaz de melhorar as funções cognitivas executivas.
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