Idosos não são crianças

boy-373441_960_720A jovem escritora sul-africana Ceridwen Dovey não tinha ideia de como seria difícil escrever um romance do ponto de vista de um homem em seus 80 e tantos anos. Dovey, com 30 e poucos anos na época, inventou um velho genérico que era analfabeto e mal-humorado em seu livro de estreia Blood Kin (ainda sem tradução para o português). Outro personagem principal era uma anciã excêntrica que usava turbantes de cor magenta e distribuía panfletos de sexo seguro.
Mas como Dovey escreveu no ano passado no site The New Yorker, seu esforço revelou o problema a que nos submetemos quando trabalhamos com suposições. Depois de ler seu primeiro rascunho, um editor perguntou: “Mas o que mais são os seus personagens, além de velhos?”
Que ótima pergunta!
Quando a idade é a característica definidora, nossa personalidade, crenças e individualidade são substituídas por estereótipos de incompetência, debilidade e dependência. O que leva a um dos mais prejudiciais comportamentos discriminatórios do envelhecimento – começamos a tratar adultos mais velhos como crianças.
Já não é homem
Lembro-me do embaraço no rosto de um amigo quando lhe deram um babador para vestir para o jantar uma noite em sua casa de repouso em Denver, Estados Unidos. Ele costumava comer sozinho em seu quarto, mas eu tinha passado para uma visita no final da tarde e ele me convidou para jantar com ele.
Ele tinha 91 anos na época, mas, é claro, ele era mais do que apenas isso. Além de ser engraçado e incrivelmente amável, ele era um dos homens mais sábios que eu já conheci. Ele também tinha sido pianista em Nova York e inclusive tocado com o jazzista Glenn Miller.
Mas naquele dia, ele foi humilhado por ser tratado como uma criança na minha frente, sua amiga.
Diga não à linguagem infantil
Ainda é uma prática bastante comum entre profissionais de saúde e até mesmo as famílias de interagir com os idosos como se eles de alguma forma tivessem regredido na faixa etária. A maioria das pessoas se justifica dizendo que é sinônimo de carinho e cuidado usar um vocabulário infantil, referindo-se ao idosos como “querido”, “meu doce”.
Claro, a intenção não é ofender o idoso. Mas isso não quer dizer que o idoso gosta. Quer maior insulto quando um médico fala sobre o paciente idoso para o acompanhante, mesmo que ele esteja na sala? É isso o que faria um pai diante de uma criança. Mas o idoso não é uma criança!
No ano passado, uma conhecida de 79 anos estava no hospital quando o médico entrou no quarto e começou a falar com a acompanhante, e não com ela, sobre os cuidados necessários.
“Sou uma mulher adulta e inteligente”, lembra a idosa. “Eu não sabia o que fazer e nem meu amigo.”
 
Estereótipos podem transformar-se em preconceito etário
Aprendemos estereótipos negativos desde crianças, segundo Becca Levy, professora de epidemiologia e psicologia de Yale. Mas como os estereótipos só se aplicam aos outros quando somos jovens, diz Levy, não lutamos nem construímos defesas contra eles.
Quando reforçados os estereótipos à medida que envelhecemos, eles podem se tornar auto-estereótipos e as consequências são perigosas. Os estudos dessa especialista têm mostrado que essas crenças negativas podem diminuir nossa vontade de viver e tirar anos de nossas vidas.
Além disso, os estereótipos também nos impedem de conhecer verdadeiramente a pessoa por trás do pressuposto. O que explica por que algumas pessoas gritam aos idosos mesmo que eles não tenham problemas auditivos ou quando adultos assumem a tomada de decisão de um pai ainda capaz. E se você quer saber o que  a geração dos Millennials pensa sobre o que significa ser velho, veja esse vídeo aqui.
Ir além dos estereótipos
É claro que precisamos falar mais alto. Depois de sua experiência com o médico mal informado, aquela minha conhecida contou à supervisora de enfermagem o que tinha acontecido e esclareceu que não queria nunca mais ir ao hospital. “Por favor, fale comigo antes de concluir que tenho demência e não posso cuidar de mim mesma”, disse.
“Não passa uma semana sem alguém me chamar de “meu doce” ou “querida”, diz Ronni Bennett, autora do popular blog Time Goes By. Sua resposta é gentil, mas firme: “meu nome é Sra. Bennett. Você pode me chamar assim”.
Depois de alguns segundos de silêncio, ela diz, geralmente as pessoas pedem desculpas. “Eu gosto de pensar que eles percebem como é degradante e, a partir daí, mudam seu comportamento com outros idosos”, observa Bennett.
Sem necessidade
Aguarde para ver se um adulto mais velho realmente precisa de sua ajuda, outros sugerem. Sobrevivente de pólio e de câncer, Judy Jellison Graves, de 73 anos, de Illinois, diz que usa uma bengala, mas é muito autossuficiente. “É irritante quando as pessoas sentem que eu preciso de ajuda com algo que eu não tenho nenhum problema em fazer sozinha”, diz Graves.
Aos 72 anos, MaryAnn Melcarek Dykema, moradora do Tennesse, diz que podemos evitar que as pessoas se sintam como se tivessem de nos ajudar o tempo todo. “Eu não quero projetar aquela atitude fraca, da velhinha”, diz. “Eu posso estar errada, mas é assim que eu planejo seguir até morrer.”
Sua amiga, Teresa Hughes, de 73 anos, do estado de Illinois, concorda totalmente. Ela se sentiu abusada por aqueles que ela imagina que a veem como uma velha, uma mulher senil vivendo sozinha. Para Hughes, o apoio da família e dos vizinhos fez toda a diferença.
 
Não é tarde demais – ainda
Uma pesquisa realizada em 2014 pela professora Levy mostrou que estereótipos de idade positivos levam a autopercepções mais fortes, o que, por sua vez, melhoram também a funcionalidade física em idosos.
Precisamos, portanto, diminuir o viés negativo e o ódio que existe em nossa sociedade, de acordo com Levy. “Mas como isso começa quando somos jovens, uma boa estratégia para reduzir os estereótipos negativos seria introduzir e reforçar imagens positivas do envelhecimento a partir da educação infantil”, diz.
Não há dúvida sobre o dano que já foi feito. Levy faz referência a um estudo em que 66% dos jovens de 4 a 7 anos disseram que não gostariam de ser idosos. Em outro, a maioria das reações de crianças de ensino fundamental disseram que se sentiriam horríveis se fossem idosos.
 
(Texto de Debbie Reslock, escritora especializada em envelhecimento, publicado no site Next Avenue. Traduzido e adaptado do inglês).