Manejo das complicações motoras na doença de Parkinson

PET-imageA doença de Parkinson (DP), descrita pela primeira vez em 1817 por James Parkinson, é a segunda enfermidade neurodegenerativa mais comum de natureza progressiva. Estima-se, em média, uma prevalência de 100 a 150 casos para cada 100.000 pessoas. Acomete indivíduos ao redor dos 60 anos de idade, de ambos os sexos e diferentes raças. De causa desconhecida, a DP sofre influencia da combinação de fatores genéticos e ambientais1. Os sintomas motores como a rigidez, bradicinesia, tremor de repouso e instabilidade postural constituem os principais sinais cardiais, porém atualmente os sintomas não motores (SNM) têm grande destaque2. Esses sintomas podem manifestar-se em qualquer fase da doença e podem aparecer antes dos motores. Os SNM são classificados como: autonômicos, distúrbios do sono, alterações cognitivas, alterações psiquiátricas, entre outros.

O manejo do tratamento da DP constitui um dos maiores desafios para os especialistas, assim como a identificação e o tratamento das complicações motoras, entre elas as flutuações e discinesias. Identificamos como flutuações motoras: ausência de resposta, resposta de pico sub-ótima, fenômeno on-off, freezing e wearing off. O fenômeno conhecido como wearing off é uma flutuação motora relacionada ao uso da levodopa e que surge na fase intermediária da DP (3-5 anos de doença). Caracteriza-se pelo efeito de encurtamento de final de dose, assim nota-se diminuição do tempo de ação da levodopa (menor do que 4 horas), fazendo com que o paciente antecipe a próxima tomada da medicação3. Importante ressaltar que os sintomas não motores também devem ser avaliados quanto a ocorrência do fenômeno de wearing off. Clinicamente, o paciente pode relatar, por exemplo, quadros de ansiedade, sudorese e sintomas de depressão – os quais caracterizam sintomas não motores – em um determinado período do dia. Tal relato pode caracterizar um fenômeno de wearing off não motor. Desta forma é importante uma anamnese detalhada de como é o dia do paciente, pois isto facilita o diagnóstico do wearing off.
Na fase inicial, o benefício clínico da levodopa é duradouro, ou seja, o estado de on é prolongado, sendo que o paciente pode não perceber clinicamente a diminuição do efeito da medicação durante o dia. Na fase moderada, surge o fenômeno de wearing off, onde há encurtamento do efeito da levodopa e o paciente passa a perceber diminuição da eficácia da medicação e piora clínica. Assim, antecipa a última tomada da medicação devido ao surgimento dos sintomas motores e/ou não motores. No início, este fenômeno pode ocorrer de maneira pontual, ou seja, numa determinada hora do dia, porém com a evolução da doença o fenômeno de wearing off pode se tornar mais frequente e ocorrer em vários períodos do dia.
Os mecanismos que estão envolvidos na fisiopatologia das flutuações motoras são:  farmacocinética periférica, relacionada ao esvaziamento gástrico retardado e à competição da levodopa com as proteínas da dieta; farmacocinética central, comprometida devido à variação nos níveis estriatais de levodopa; e a farmacodinâmica central, pois os receptores dopaminérgicos encontram-se modificados, assim como há alteração do perfil sensitivo destes receptores.
As discinesias secundárias ao tratamento da doença de Parkinson são outro tipo de complicação motora que ocorrem durante a evolução da doença de Parkinson e podem manifestar-se com qualquer tipo de movimento anormal (coreia, atetose, distonia, discinesia orofacial, mioclonias e tiques). As discinesias podem ser: de pico de dose, bifásicas, em onda quadrada, e de período off.
As discinesias de pico de dose, como diz o nome, ocorrem no meio do período útil de ação da levodopa e podem durar de poucos minutos a cerca de uma ou duas horas. Usualmente as discinesias caracterizam-se por movimentos coreoatetoticos acometendo as extremidades, a região axial e a face. Os movimentos involuntários do tipo disfônico podem estar associados aos movimentos coreicos, mas tendem a predominar na região axial, particularmente no pescoço (torcicolo).
A discinesia bifásica caracteriza-se por movimentos involuntários, principalmente distônicos, que ocorrem no início e no final da ação da levodopa. Parece que a oscilação no nível plasmático da levodopa é determinante para o aparecimento desse tipo de discinesia. Costumam ser observadas nos pacientes mais jovens.
A discinesia em onda quadrada ou discinesia contínua caracteriza-se por movimentos involuntários que ocorrem assim que a levodopa começa sua ação e dura todo o tempo do efeito.
As discinesias do período off geralmente são movimentos do tipo distônico, predominando nas extremidades, particularmente nos pés, e ocorrem nas quedas no nível plasmático de levodopa. Ocorrem no final do efeito da droga e no período matinal, muitas vezes despertando o paciente do sono.
As discinesias ocorrem, provavelmente, devido à estimulação de diferentes subpopulações neuronais do estriado cuja neurotransmissão glutamatérgica, mediada pelos receptores NMDA, superestimulação tais receptores. Os principais fatores de risco são: dose de levodopa, idade mais jovem, forma rígido-acinética, flutuações motoras, fatores genéticos4.
O tratamento da doença de Parkinson, entre as doenças crônicas neurológicas é o que, provavelmente, traz maiores dificuldades para o neurologista em longo prazo. As complicações do tratamento nos pacientes mais idosos são frequentes, mas os mais jovens e os que iniciaram mais precocemente a doença de Parkinson continuam a ser um desafio particular no contexto global dos parkinsonianos, devido à tendência de desenvolver complicações devido ao uso crônico da levodopa. É importante ressaltar que a produção das flutuações e discinesias nos pacientes tratados com a levodopa estão relacionadas ao tamanho das doses da droga e à intensidade da perda neuronal dopaminérgica, e não apenas ao tempo de uso da medicação como antes se pensava. Desta forma, o manejo do tratamento da DP constitui um dos maiores desafios para os especialistas, assim como a identificação e tratamento destas complicações motoras.
Vários são os medicamentos que podemos utilizar no manejo das complicações motoras. Ajustar os horários e/ou fracionar a dose da levodopa pode ser uma boa opção de tratamento. Atualmente existe uma nova formulação de levodopa, denominada de liberação combinada (combinação de levodopa de liberação imediata com a levodopa de liberação controlada) que permite um maior controle dos sintomas de flutuação motora.
Os agonistas dopaminérgicos, como o pramipexol e a rotigotina (agonista com formulação de adesivo/patch), também são utilizados nos casos de wearing off de maneira eficaz. Porém distúrbios do controle do impulso estão relacionados ao uso destes medicamentos e devemos sempre estar atentos ao aparecimento desses sintomas, como por exemplo, hipersexualidade patológica, compulsão por compras e jogos, comer compulsivo e punding (comportamento estereotipado, sem propósito, complexo, com manuseio repetitivo de pequenos objetos)5.
O entacapone é um inibidor reversível da enzima catecol-orto-metil-transferase (COMT), a qual degrada a levodopa presente na periferia, diminuindo assim a penetração da mesma no sistema nervoso central. Importante lembrar que o entacapone deve ser sempre administrado junto com a levodopa.
A rasagilina, um inibidor irreversível da MAO é outra opção de tratamento para os casos de flutuações motoras, pois diminui a degradação da levodopa, aumentando sua concentração no SNC.
Quanto às discinesias, além dos ajustes na dose da levodopa e sua associação com os agonistas dopaminérgicos e do entacapone, na tentativa de diminuir a dose da levodopa e assim diminuir as discinesias, temos como opção de tratamento a amantadina, cujo mecanismo de ação é aumentar a atividade dopaminérgica, bloqueando a receptação de dopamina na fenda sináptica. Essa droga atua ainda como antagonista do receptor N-metil-D-aspartato (NMDA), o que poderia reduzir a hiperatividade de projeção glutamatérgica do núcleo subtalâmico sobre o globo pálido interno e a substância negra6, sendo, portanto indicada no controle das discinesias.
Desta forma, o manejo do tratamento das complicações motoras dependerá dos sintomas do paciente, do tipo de complicação motora, assim como da resposta dos indivíduos ao tratamento proposto, devendo sempre ser individualizado.
Referências bibliográficas:

  1. Teive HAG. Neuroproteção: Fatos, Mitos e Quimeras. In: Andrade LAF, Barbosa ER, Cardoso F, Teive HAG. Doença de Parkinson: estratégias atuais de tratamento. Omnifarma, São Paulo, 2010:23-49.
  2. Chaudhuri KR, Healy DG, Schapira AH. Non-motor symptoms of Parkinson’s disease: diagnosis and management. Lancet neurology. 2006 Mar;5(3):235-45.
  3. Stocchi F, Jenner P, Obeso JA. When do levodopa motor fluctuations first appear in Parkinson’s disease? Eur Neurol. 2010;63(5):257-66.
  4. Manson A, Stripe P, Schrag A. Levodopa-induced-dyskinesias clinical features, incidence, rick factors, management and impact on quality of life. J Parkinsons Dis. 2012;2:189-98.
  5. Antonini A, Barone P, Ceravolo R, et al. Role of pramipexole in the management of Parkinson’s disease. CNS Drugs 2010;24:829-41.
  6. Thomas A, Iacono D, Luciano AL, Armellino K, Di Iorio A, Onofri M. Duration of amantadine benefit on dyskinesia of severe Parkinson’s disease. J Neurol Neurosurg Psychiatry 2004;75:141-143.

 
 
Dra. Roberta Arb Saba
Neurologista  –  CRM 82634
Doutora em neurologia pela UNIFESP
Médica Assistente do Ambulatório de Transtornos do Movimento da UNIFESP e do HSPE