A arquiteta Flavia Ranieri é mineira, mas mora em São Paulo. Os pais, idosos, permanecem em Belo Horizonte. Foi por telefone que ela ficou sabendo que a mãe havia caído da escada. Não se machucou, mas alarmou a filha distante. “Comecei a pensar como seria a velhice deles sendo que eu e meus irmãos moramos longe”, conta.
Foi assim que Flavia começou a buscar soluções para deixar a casa dos pais mais segura, mas mantendo-os autônomos e independentes. Encontrou produtos muito parecidos com os hospitalares e nada esteticamente agradáveis. Foi então estudar Gerontologia para entender melhor essa fase da vida dos pais. Fez uma especialização no tema e sua cabeça fervilhou de ideias para melhorar o dia a dia dos idosos. Uma parte das criações foi vista na Casa Cor 2018, evento de arquitetura e decoração que aconteceu há um mês em São Paulo.
O ambiente criado por ela foi um estúdio de 45m2 totalmente adaptado para idosos, que recebeu o nome de Estúdio da Longevidade. “Algumas peças usadas no local eu encontrei no mercado, outras tive de pedir adaptação para as empresas e ainda criar algumas”, explica.
O banheiro ganhou barra ao lado do sanitário e no box, mas a empresa fabricante fez modelos, especialmente para o Estúdio, com acabamento em preto fosco para combinar com a decoração do ambiente. “Isso não existe na linha comum, só oferecida em branco ou cromado, como vemos no ambiente hospitalar”, diz.
Para outras facilidades, Flavia apostou em automação. Sensores identificam se o fogão ficou ligado e, sendo elétrico, é possível desligá-lo a distância pelo celular. Geladeiras com o freezer na parte de baixo também facilitam, já que deixam a parte de cima para alimentos mais usados. A campainha da porta toca no celular do idoso, assim ele a escuta de onde estiver na casa. “Hoje em dia o idoso, a exemplo de toda a população, também está o tempo todo com o celular ao lado”, afirma.
Sofás e cadeiras ganharam assentos com densidade maior. “Quanto mais firmes, mais fácil fica para o idoso se levantar”, explica a arquiteta. No espaço, Flavia mesclou cadeira com braço – também para facilitar o movimento de sentar e levantar – com outras sem, pensando no idoso que necessita de cuidador. “O braço dificulta o manuseio, ficando mais complicado para que o cuidador troque a roupa, ajude a levantá-lo da cadeira, por exemplo”.
Os armários também são inteligentes – as prateleiras descem sozinhas e as gavetas ficam mais à altura das mãos. A recomendação da especialista é que sejam colocadas em prateleiras e armários na altura entre 90 centímetros e 1,20 metro as coisas que os idosos mais manuseiam, como pratos e talheres na cozinha, e roupas, no quarto. “O que estiver muito baixo prejudica, porque alguns têm dificuldade para abaixar e levantar”, diz. Os puxadores são adaptados para quem sofre de artrose nas mãos.
No mobiliário, as quinas devem ser evitadas, porque são alvos fáceis de joelhos e pernas. Bordas arredondadas são a melhor opção. Se mesas de vidro forem inevitáveis, Flavia dá a dica de colocar objetos ou livros em cima ou embaixo do tampo para ajudar a visualizar o tamanho real da mesa e evitar “topadas”.
Na lavanderia, a arquiteta diz que algumas marcas já disponibilizam máquinas de lavar roupa em modelos mais altos com abertura frontal, o que não exige que o idoso se abaixe para pegar a roupa. O varal mais indicado é o de chão ou o de suspender individual, que não demanda muita força, ao contrário dos demais modelos.
Além da funcionalidade, Flávia diz que a decoração também tem importância fundamental para que o idoso se sinta bem no ambiente. “É importante que a casa, se não for aquela onde ele viveu por muitos anos, tenha elementos de sua memória afetiva, como objetos da família, fotos e coisas que façam parte da história dele para que haja segurança emocional”.
Mercado para idosos
Para a Casa Cor, Flávia contou com a parceria de algumas empresas do ramo da construção, arquitetura e decoração, que fizeram adaptações em produtos para ela. No entanto, a arquiteta percebeu que as empresas não têm interesse em colocar em linha os produtos para idosos. “Eles alegam que não há demanda”, diz. Discordando – e com a percepção que há um universo de consumidores nessa faixa etária – ela lançou um braço em seu escritório de arquitetura voltado para esse público, o Somos Grou, voltado para projetos com soluções inclusivas.
A escolha do nome se deve a grou ser uma ave que, no Japão, é considerada o símbolo da longevidade. Além da projeção de espaços, a empresa de Flavia também está lançando uma linha de peças especiais, como as barras de apoio, com toque de design para que fiquem bonitas em qualquer moradia. “A demanda e a necessidade existem. Muitos idosos apenas não adaptam suas casas por uma questão estética, já que não querem o ambiente com cara de hospital”, afirma. Os protótipos foram instalados em um apartamento decorado em Porto Alegre (RS), onde está sendo desenvolvido um edifício voltado para idosos, e a arquiteta acredita que o produto final esteja disponível no mercado ainda este ano.
“Não podemos esperar as grandes empresas criarem consciência quanto a necessidade do público idoso. Se não tem ninguém fazendo, vou lá e faço com meus parceiros”, afirma a arquiteta, que conta que seus pais são as “cobaias” de seus experimentos. “Já consegui fazer alguns ajustes na casa deles, como a altura da cama e do sofá. Também fiz testes com fitas antiderrapantes no box. Assim que as minhas barras forem aprovadas pelo IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) também instalarei no banheiro deles”, conta.
Confira fotos do espaço na Casa Cor
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