O complexo mecanismo da dor

Inúmeros são os desafios aos profissionais de saúde no manejo da dor crônica em idosos, e um deles é o conhecimento insuficiente sobre o gerenciamento e a avaliação inadequada da dor, principalmente em idosos com déficit cognitivo. Por outro lado, os pacientes idosos também relutam em aceitar o uso de opioides. “Muitos médicos não aprendem adequadamente a diagnosticar e nem a tratar dor na faculdade, residência ou especialização, sendo assim mais difícil manejar esse tipo de medicamento”, explica a geriatra Ana Laura Bersani, médica afiliada do Serviço de Dor e Doenças Osteoarticulares da Disciplina de Geriatria e Gerontologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro da diretoria da SBGG-SP.
“Essa falta de conhecimento técnico faz com que o profissional tenha medo de prescrever opioide ou mesmo prescreva sem ter o conhecimento necessário sobre tais drogas, seus efeitos adversos e suas especificidades na população idosa. É fundamental conhecer as alterações relacionadas à senescência para escolha da melhor droga e ajuste de doses nessa população”, diz a médica.
Outro aspecto que também é um desafio no tratamento da dor crônica, na opinião da especialista, é a comunicação e compreensão dos idosos sobre sua doença. “Precisamos melhorar a educação para que haja reflexos no comportamento dos nossos pacientes e eles entendam sobre a doença e a importância da manutenção do tratamento farmacológico e não farmacológico”, explica Ana Laura. É justamente o tratamento multimodal o mais indicado para dor crônica. “E aí se apresenta um outro desafio, já que no sistema público de saúde pode demorar muito tempo para o paciente conseguir ser avaliado ambulatorialmente e receber o tratamento analgésico adequado, bem como ter acesso a serviços multiprofissionais, como fisioterapia, por exemplo”, afirma a geriatra.
Os custos são também um entrave, já que muitas das medicações preconizadas para dor não são baratas, segundo a médica, e muitas delas não estão disponíveis na rede pública.
 
Dor não é normal do envelhecimento
As dores nos idosos podem acontecer por inúmeras causas. Ana Laura cita as principais, relacionadas a doenças crônicas. Entre elas, as articulares, como osteartrose de joelho e coluna, fraturas por osteoporose, lombalgia, e outras, como dores relacionadas ao câncer, a doença vascular periférica e a infecção por herpes zoster.
Embora a poliqueixa de dores possa ser mais comum entre os idosos, não pode ser considerada como algo comum da faixa etária. “O processo do envelhecer traz inúmeras mudanças na vida, relacionadas a corpo, imagem, posição social e outras. Assim, o profissional de saúde precisa saber interpretar, ou seja, levar em conta quesitos do contexto social do idoso, porque a dor pode estar relacionada a outros domínios físico, mental e/ou social, já que ela é um fenômeno complexo”, explica a geriatra. Fatores como depressão, raiva, fadiga, medo e ansiedade também podem ser agravantes da dor.
A médica diz que, apesar de ser uma queixa comum, a dor ainda é subdiagnosticada. “Há dados que mostram que mais de 50% das pessoas não recebem controle adequado da dor, em especial os idosos institucionalizados”, afirma.
Por isso, ela lembra que nenhuma queixa de dor pode ser desprezada pelo médico, mesmo que ele acredite que ela tenha fundo apenas emocional. “O papel do médico, do psicólogo e de qualquer outro profissional da saúde é escutar o paciente, porque a dor pode trazer componentes subjetivos que precisam ser considerados para o tratamento ser efetivo”, diz a médica.
“E se o profissional não se sentir capacitado para cuidar da dor daquele paciente, não deve temer encaminhá-lo para outro. O que não se pode é acreditar que a dor seja algo normal do envelhecimento”, orienta.