Os desafios da desospitalização

Fotolia_110830038_Subscription_Monthly_M-926x280Longos períodos de internação hospitalar são considerados fator de risco para o idoso, já que as consequências podem ser declínio da função cognitiva e maior risco de infecções nosocomiais. A médica Flávia Nascimento de Camargo, do Hospital Israelita Albert Einstein apresentou uma conferência sobre o papel do hospital na desospitalização e compartilhou a experiência da instituição em que atua.
A especialista trouxe dados gerais, de estudos internacionais, de que 10 dias de hospitalização podem gerar prejuízo de 12% na função aeróbica do idoso, e o declínio funcional pode variar de 40% a 75% nos hospitais gerais.
A partir desse panorama, a proposta é que haja a adoção de um modelo continuado de cuidados, que hoje não existe. “O sistema de saúde é fragmentado, sem integração entre os diversos serviços e muito centrado no médico e no hospital, com pouca ênfase na equipe multiprofissional”, disse Flávia. Ela defende que, em um modelo integrado, o papel do hospital seria apenas uma parte do contexto do cuidado, articulado com os demais integrantes da saúde e capaz de “devolver” o paciente à rede pronto para a transição de cuidados. “Essa transição precisa proporcionar o trânsito do idoso pelos diversos serviços de saúde com segurança, garantindo a continuidade do cuidado.”
“Para que a gente consiga ter foco na transição segura e no cuidado do idoso, precisamos estabelecer serviços de origem e destino, com metas estabelecidas, com um plano terapêutico constituído e com boa orientação para o paciente e família”, diz ela. O objetivo maior deve ser empoderar o indivíduo e sua família em relação ao autocuidado.
A médica apresentou ainda uma ferramenta utilizada pela Clínica Mayo, nos Estados Unidos, que permite identificar o risco de longa permanência hospitalar. A ferramenta avalia a presença ou não de incapacidade, se mora sozinho ou não, limitação para deambular e a idade do idoso. “Nos casos de maior risco, a implantação de grupo de planejamento de alta nesse projeto melhorou em 20% o tempo de permanência hospitalar”, contou.
No Hospital Israelita Albert Einstein, em 2016, aconteceram 63 mil saídas hospitalares (para 646 leitos ativos), com média de 3,51 dias de internação. No total, 4,22% dos leitos foram ocupados por pacientes em longa permanência (mais de 100 dias), dos quais 25% eram idosos acima de 60 anos e 11% com mais de 75 anos.
No ano, 1.454 pacientes foram gerenciados por risco de longa permanência, dos quais 65% tinham mais de 60 anos. Esse acompanhamento foi feito pelo Grupo de Gerenciamento de Risco de Longa Permanência, do Einstein, formado por profissionais que trabalham para facilitar a transferência para o domicílio. Qualquer paciente com mais de 15 dias de internação já passa a ser gerenciado pelo grupo.
Os principais desafios encontrados por esses profissionais, segundo a médica, são a falta de uma cultura de transição de cuidados dentro e fora do hospital. A questão econômica é um fator forte, bem como os vínculos familiares fragilizados – às vezes pela rotina das famílias que são reduzidas. Apesar das dificuldades, o grupo procura viabilizar a sustentabilidade de um modelo de cuidado para pacientes com condições crônicas durante e após a hospitalização, educando a família e todos os envolvidos na rede, se preciso fornecendo suporte social.
Na sequência, o geriatra Wilson Jacob Filho, da Universidade de São Paulo, em sua conferência sobre o papel do geriatra, explicou os motivos que levam hoje uma pessoa à internação – a disponibilidade de tecnologia para exames e os recursos humanos. Além disso, afirmou que a hospitalização deve ser opção apenas para o paciente que passa para a condição crítica, com uma doença aguda, uma queda ou pela agudização de doenças crônicas. “Mas os profissionais de saúde têm de começar a pensar a alta já no momento da internação”, disse o médico. “E infelizmente recomendamos internação mais vezes do que o necessário.”
Se a internação costuma acontecer de forma abrupta, a volta para casa precisa ser escalonada, segundo o médico, passando por cuidados em meio termo antes de voltar para o lar. Para isso são necessárias unidades de cuidados intermediárias, ainda raras no país.
A melhor saída para evitar a hospitalização e o menor tempo de internação estão nas mãos do geriatra e dos especialistas em gerontologia. “Nós somos a base para o gerenciamento da saúde do idoso”, disse. Para isso, é necessário avaliar a relação custo no prolongamento da internação (o ônus para todo o sistema, considerando família, serviços, o paciente e recursos financeiros) versus a efetividade.