Por
Ana Laura de Figueiredo Bersani
Médica geriatra; especialista em geriatria pela SBGG; membro da diretoria da SBGG-SP; assistente do Serviço de Dor e Doenças Osteoarticulares da Disciplina de Geriatria e Gerontologia da UNIFESP.
Cristiane Comelato
Médica geriatra; especialista em geriatria pela SBGG; membro da diretoria da SBGG-SP ; médica voluntária do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da FMUSP.
A osteoartrose ou osteoartrite (OA) é um transtorno articular caracterizado clinicamente por dor e limitação funcional. Do ponto de vista radiográfico, verificam-se a presença de osteófitos e de estreitamento dos espaços articulares, e do ponto de vista histopatológico, ocorre a perda da integridade da cartilagem e do osso subcondral.
É a mais comum de todas as doenças articulares e sua importância deriva de seu impacto econômico, tanto em termos de produtividade (maior causa única de dias de trabalho perdidos), como de custo de tratamento (analgésicos, antiinflamatórios, fisioterapia, cirurgia etc).
A etiologia não é totalmente esclarecida, mas sabe-se que se trata de um transtorno articular, não uniforme, influenciado por fatores biomecânicos associados a fatores de risco como idade, peso, ocupação e fatores genéticos.
Outros fatores predisponentes incluem lesão preexistente de uma articulação devido a qualquer causa (trauma, artrite reumatoide ou séptica), acúmulo de cristais na cartilagem articular (gota), necrose vascular, acromegalia e distúrbios congênitos que provocam alterações na distribuição de pressão na articulação.
Existe um equilíbrio entre as injúrias ocorridas durante as atividades da vida diária e a capacidade de reparo das estruturas articulares. Com o envelhecimento, ocorre uma perda desta capacidade de responder a uma injúria por várias dessas estruturas.
Com o tempo, as tensões mecânicas excedem a capacidade de resposta da cartilagem e a matriz de colágeno se deteriora. As células cartilaginosas deterioradas liberam enzimas catabólicas, o que resulta na perda da cartilagem hialina que suporta peso.
As enzimas e os mediadores de inflamação, liberados das células cartilaginosas destruídas, combinadas aos mecanismos imunológicos (auto-antígenos) levam a alterações sinoviais semelhantes àquelas observadas na artrite reumatoide soronegativa.
Com isso, há um desalinhamento articular e a dor resultante desse processo leva a uma alteração no tônus dos músculos para-articulares. Eles se tornam fracos e mais curtos, causando mais dor e espasmo muscular.
Não existe tratamento preventivo ou curativo que interrompa o processo patológico. Assim, o objetivo do tratamento clínico é o alívio dos sintomas e a manutenção do idoso o mais funcional possível. Daí advém a grande importância da OA na geriatria, pois na tentativa de manter a independência do idoso, deparamo-nos com esta importante patologia capaz de limitar e levar à perda da qualidade de vida e das ABVD (atividades básicas da vida diária) e AIVD (atividades instrumentais da vida diária), hipotrofia muscular, isolamento social, depressão, aumento do risco de quedas, fraturas e risco aumentado de mortalidade.
Ressalta-se ainda a importância da avaliação geriátrica ampla nos pacientes com OA, visando a integridade do idoso como um todo. Neste contexto destaca-se a associação de dor crônica aos transtornos de humor, principalmente a depressão, e aos distúrbios do sono, que merecem uma atenção especial nesses indivíduos.
Em pacientes com dores crônicas devido a OA, o humor pode dificultar o tratamento da dor e a manutenção da qualidade de vida. É primordial que os transtornos depressivos associados sejam diagnosticados e devidamente tratados. Caso isto não ocorra, o tratamento da dor articular provavelmente não terá sucesso.
Abordaremos a seguir o tratamento farmacológico atualmente disponível para uso nos pacientes acometidos por esta patologia, com intuito de controlar a dor; melhorar a independência e a autonomia; promover bem-estar emocional e melhorar a qualidade de vida; manter as atividades diárias e/ou ocupacionais; apoiar e orientar familiares e cuidadores e evitar progressão da OA.
É essencial que todos os pacientes acometidos por OA, recebam orientação sobre o quadro e sobre opções de medidas farmacológicas e não farmacológicas para controle adequado dos sintomas e reabilitação.
O incentivo aos idosos para melhorar adesão ao tratamento não farmacológico é essencial para o tratamento ser bem-sucedido. Entre as medidas não farmacológicas mais importantes destacam-se:
– Educação individualizada sobre a doença;
– Exercício físico de intensidade leve a moderada, com supervisão e orientação individualizada e podendo ser de modalidades variadas com treino de marcha, de força, de flexibilidade e exercício aeróbico. Exemplos: Tai Chi, natação, hidroginástica, ciclismo e caminhada. Evitar atividades com subida e descida de escadas e corrida (há controvérsias a esse respeito).
– Fisioterapia, que deve ser indicada principalmente nos casos de dor e rigidez articular, perda da mobilidade articular sem destruição importante da articulação, fraqueza muscular, fadiga e resistência cardiovascular reduzida, alteração da marcha e equilíbrio. Os exercícios isométricos são indicados principalmente nas fases álgicas e/ou inflamatórias da OA. Na sequência, após melhora do quadro álgico e inflamatório, recomendam-se exercícios isotônicos com cargas progressivas e isocinéticas;
– Perda de peso;
– Repouso pode melhorar os sintomas de dor articular, porém períodos longos de inatividade podem levar à redução da massa muscular e piora da mobilidade;
– Uso de órteses e dispositivos de marcha (bengala, andador);
– Agentes físicos como termoterapia, eletroterapia analgésica e TENS;
– Autogerenciamento da dor (AGD).
Posteriormente à instituição da informação, parte-se para o tratamento farmacológico individualizado, almejando o alívio dos sintomas a curto e longo prazos. Além disso, contempla-se o tratamento multimodal para os idosos com dor crônica, com associação de vários analgésicos com ações diferentes e em menores doses, proporcionando melhor analgesia e menos efeitos colaterais.
Analgésicos tópicos
- Antiinflamatórios não esteroides (AINE) tópicos são de uso preferível em comparação aos orais em idosos, pelo menor risco de toxicidade gastrintestinal, renal e cardiovascular e por manterem alta concentração nos tecidos-alvo. Os AINES tópicos mais estudados para tratamento da OA foram diclofenaco gel ou cetoprofeno, 2 a 4 vezes ao dia por período curto até controle da dor.
- Cânfora e mentol em pomadas e géis apresentam ação analgésica, apesar de não serem tão eficazes quanto à crioterapia.
- O gel de confrei (Symphytum officiale) pode reduzir a dor na OA de joelho e o gel de arnica parece ser semelhante ao ibuprofeno na melhora da dor da OA de mãos, mas com um maior número de eventos adversos, principalmente alergia ou dermatite de contato.
- A capsaicina e a lidocaína também podem ser utilizadas por via tópica, com benefícios variáveis.Para pacientes com OA localizada nos joelhos ou poucas articulações, nos quais outros tratamentos são inefetivos ou contraindicados, pode-se usar capsaicina tópica. Trata-se de uma substância derivada da pimenta malagueta com potencial de aliviar a dor por sua ação de retroalimentação negativa na atividade do receptor TRVP1 nos neurônios nociceptivos e na depleção da substância P. Seu uso contínuo resulta na dessensibilização das fibras nociceptivas e inibição da transmissão do estímulo doloroso. Existem poucos estudos randomizados controlados e a maioria avaliou o uso de capsaicina tópica por 4 a 12 semanas. Na maioria dos estudos, a capsaicina mostrou-se superior ao placebo no alívio da dor. A queimação local é o efeito adverso mais comum e pode ocorrer em metade dos pacientes, porém é leve a moderado e melhora com a continuidade do uso. Capsaicina tópica não deve entrar em contato com olhos, mucosas, região genital ou pele lesada.
Analgésicos sistêmicos
- Analgésicos simples: podem ser usados isoladamente na dor de leve intensidade ou em esquema de associação com outras drogas nos quadros de dor moderada ou intensa.
- Anti-inflamatórios não esteroides (AINE): são utilizados cada vez menos em idosos, sendo reservados para cursos rápidos em processo álgico mais agudo.
- Opioides: são alternativas para dor de maior intensidade com pouca resposta aos outros analgésicos.
- Duloxetina: é recomendada para pacientes com OA em múltiplas articulações ou que apresentem maior risco de efeitos adversos com o uso de AINEs ou que não responderam satisfatoriamente a estas medicações.Ensaios clínicos mostraram sua eficácia analgésica, provavelmente relacionada a regulação endógena da via inibitória da dor pela recaptação de serotonina e norepinefrina.A dose efetiva foi de 60-120 mg. No entanto, recomenda-se iniciar com a dose de 30 mg/dia.Seus principais efeitos adversos são: náusea, fadiga, constipação, boca seca, diarreia, sonolência e tontura.
Drogas alternativas
- Sulfatos de glucosamina e condroitina: são indicados principalmente para a OA de joelho e têm início de ação em torno de 4 a 6 semanas. A dose recomendada é de 1.500 mg de glucosamina e 1.200 mg de condroitina em dose única diária ou fracionada. Alguns efeitos colaterais mais comumente encontrados são relacionados ao trato gastrointestinal como náusea, diarreia ou constipação e dor epigástrica. Existem preparações comerciais com esses componentes isolados. Estudos clínicos randomizados mostraram resultados controversos em relação ao benefício sintomático destas drogas no tratamento da OA.
- Diacereína: é recomendada principalmente para OA de quadril na dose de 100 mg ao dia, sendo que em idosos inicia-se com 50 mg/dia, podendo progredir posteriormente para a dose-alvo. Em decorrência dos efeitos adversos, principalmente relacionados aos quadros de diarreia, seus benefícios têm sido discutidos.
- Cloroquina: parece ser eficaz, principalmente na OA erosiva de mãos. A dose recomendada é de 400 mg de hidroxicloroquina ou 250 mg de difosfato de cloroquina ao dia.
- Harpagosídeo: a dose recomendada é de 400 mg, 3 vezes ao dia. Apresenta efeito analgésico após 4 meses de tratamento, semelhante a diacereína no tratamento de OA de quadril e de joelho.
- Extrato insaponificado de abacate e soja: além de inibir as metaloproteinases 3 a 13 e prostaglandinas E2, promove o reparo da cartilagem, atuando nos osteoblastos subcondrais, um mecanismo novo que pode explicar o efeito analgésico, observado em revisão sistemática com quatro ensaios clínicos randomizados (três estudos com 300 mg/dia e um com 600 mg/d). O único estudo com 2 anos de duração não conseguiu mostrar efeito estrutural da droga, mas análise posterior do subgrupo com comprometimento mais grave identificou redução na progressão da diminuição do espaço articular.
- Cúrcuma longa: tem eficácia clínica para o tratamento de OA de joelho. A dose usual é de 500 mg a cada 12 horas.
- Rosa Silvestre: é uma espécie proveniente de regiões da Europa, África e Ásia. Dose recomendada de 5 g diários do seu extrato demonstraram redução na dor articular após 3 meses do uso.
- Colágeno desnaturado (hidrolisado): após 3 meses de uso diário, demonstra redução na dor, incremento da função e da qualidade de vida nos pacientes com OA de joelhos, mas seu efeito a longo prazo ainda não foi demonstrado.
- Colágeno não desnaturado tipo II (UC II): dose recomendada de 40 mg ao dia e indicado para OA de joelho por no mínimo 3 meses.
Corticoides e ácido hialurônico intra-articulares
Podem ser usados quando se tem uma ou poucas articulações envolvidas e que não responderam ao tratamento oral ou apresentam restrições ao uso oral.
Podem promover alívio da dor na OA.
Apesar de serem necessários mais estudos que demonstrem benefício do uso de ácido hialurônico intra-articular para tratamento da OA de joelhos sintomática, acredita-se no seu potencial de eficácia clínica, estrutural e tolerabilidade como opção de terapia a longo prazo após falha farmacológica com medicações de primeira linha em OA de joelho.
Plasma rico em plaquetas
São fatores de crescimento das plaquetas, que estimulam a reparação da cartilagem degradada, através da regulação do turnover da cartilagem articular, e são injetados nos joelhos. Os estudos ainda são inconclusivos e não mencionados nos guidelines. Têm alto custo financeiro.
Tratamento cirúrgico
Indicado nos casos refratários ao tratamento farmacológico otimizado.
Os tratamentos acima citados deverão ser individualizados e ajustados de acordo com cada tipo de paciente e revisto sempre que necessário. Mais estudos e a descoberta de novas drogas auxiliarão na melhora do controle de dor e na manutenção da funcionalidade dos pacientes acometidos pela OA.
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