No filme “Para Sempre Alice”, que rendeu à atriz Julianne Moore o Oscar de melhor atriz, a professora de linguística Alice Howland começa a mostrar os primeiros sinais de perda de memória aos 50 anos. Sua vida passa por uma guinada quando o diagnóstico de Alzheimer precoce é confirmado e tanto ela quanto sua família se deparam com uma nova realidade, cujos desdobramentos são resultado da doença.
Inspirado no filme, a Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz) produziu um vídeo em que atores abordam pessoas desconhecidas em frente ao cinema, como se as conhecessem há muito tempo, com frases como “Como estão seus pais?”, “Quanto tempo!”, “E o prédio?”. As reações variavam entre perplexidade e surpresa – uma reprodução do que os pacientes de Alzheimer costumam sentir com a perda de memória.
O objetivo da iniciativa foi alertar o público sobre a doença de Alzheimer – tanto em relação ao diagnóstico quanto à importância de se obter informações corretas para lidar com a condição. Embora seja uma doença progressiva, é possível retardar seu avanço com medidas terapêuticas e medicação adequada.
Segundo Maria Leitão Bessa, presidente da Abraz, após a divulgação do vídeo e filme, muitas pessoas identificaram familiares que apresentavam os sintomas de Alzheimer e procuraram a associação para tirar dúvidas e se informar melhor. “O nosso principal foco é a importância do diagnóstico precoce. Dessa forma, é possível ter um melhor tratamento”, diz.
Revelando o diagnóstico
O diagnóstico de doença de Alzheimer talvez seja um dos momentos mais difíceis para o paciente e seus familiares. Segundo a geriatra Ana Beatriz Galhardi di Tommaso, preceptora do Ambulatório de Longevos da Disciplina de Geriatria e Gerontologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp), cada paciente reage de uma maneira diferente, portanto a revelação desse diagnóstico também devem ser pensada de maneira individual.
Na entrevista a seguir, fala mais sobre a questão e orienta familiares que se deparam com essa situação:
De sua experiência, quando o paciente chega ao consultório ele já tem alguma ideia de que ele pode ter Alzheimer?
A maioria dos que procuram um geriatra com queixa de perda de memória já chega ao consultório dizendo que está com Alzheimer. Todos enxergam nos esquecimentos que surgem depois de uma certa idade a possibilidade real de ter sido acometido pelo “Alzheimer”. Grande parte desses pacientes está, na verdade, com algum quadro de estresse emocional, eventualmente com síndromes depressivas, e acabam por manifestar perda de memória que pode ser revertida se o quadro psíquico de base for tratado adequadamente. Os que de fato têm o diagnóstico da demência de Alzheimer muitas vezes não conseguem compreender a magnitude de seu problema na ocasião do diagnóstico. São indivíduos com esquecimentos há algum tempo, que só procuraram ajuda quando o impacto nas atividades do dia a dia foi grande o suficiente para chamar a atenção daqueles que estão ao seu redor (filhos, cônjuge, amigos, etc). A angústia aparece muitas vezes por parte daqueles que convivem com o paciente demenciado e percebem as perdas de forma mais objetiva bem como vislumbram as possíveis disfunções futuras.
O que torna um paciente mais ou menos preparado para receber o diagnóstico?
Não acho que alguém esteja preparado para o diagnóstico de uma doença como essa. Talvez as pessoas mais objetivas, que estruturam as suas vidas sempre pensando no futuro, podem encarar o diagnóstico de Alzheimer como algo esperado com o avançar da idade, mas isso não é comum. Costumo ver dois perfis de enfrentamento: aqueles que não estão mais capazes de elaborar o sofrimento após o diagnóstico, por já apresentarem um comprometimento cognitivo moderado; e aqueles que percebem os déficits de memória e a diminuição da capacidade de resolução de problemas e buscam atividades de treinamento, exercícios orientados por terapeutas, palavras cruzadas, etc. O curioso destes dois perfis é que, por haver comprometimento de memória, o sofrimento é menos intenso para o doente e mais exacerbado para os que convivem com ele. É lógico que cada pessoa tem uma forma de agir diante de situações críticas porém, o mais comum na rotina do geriatra, é ver os perfis que citei acima.
Se o paciente quiser saber do diagnóstico e a família solicitar ao médico que não conte, de que maneira o médico deve proceder?
O ideal seria que todos os indivíduos tivessem acompanhamento médico regular e demonstrassem, estimulados pelos seus médicos de confiança, seus desejos e formas de enfrentamento em situações como essa antes de serem acometidos por doenças graves. Todas as discussões sobre esse tipo de situação atualmente reforçam a importância da formulação do que chamamos de testamento vital, ou seja, um documento formulado por cada um de nós quando ainda somos capazes de manifestar claramente nossos desejos sobre o que queremos para o futuro quando estivermos acometidos de doenças progressivas e incuráveis. Infelizmente isso ainda não faz parte de nossa cultura. Na consulta médica, caso o paciente pergunte e demonstre capacidade de compreender e lidar com o diagnóstico, acredito que o médico deva contar, de uma forma respeitosa e acolhedora. Caso o paciente esteja impossibilitado de fazer suas escolhas, o ideal é respeitarmos a opinião e decisão daqueles que conhecem e convivem com ele (cônjuge, filhos, representante legal,etc).
De que maneira a revelação do diagnóstico deve ser feita?
Acredito que não devemos contar em uma primeira consulta. Todo o diagnóstico é feito com base em hipóteses clínica somadas a testes neurológicos e exames de imagem, porém ainda não há um teste de certeza. Precisamos de muitas informações para reunir “provas” de que estamos diante de uma demência de Alzheimer e por isso o diagnóstico é desenhado ao longo de algumas consultas e não logo no primeiro encontro com o médico. É importantíssimo conhecer melhor a forma como o paciente e sua família pensam e a estrutura que possuem para lidar com as disfunções que surgem ao longo do evoluir da doença. Com o passar das consultas, cria-se uma relação mais próxima com o paciente e sua família o que facilita a escolha da forma de comunicar o diagnóstico. A partir deste ponto sentimos como a notícia deve ser dada.
Quais os benefícios de revelar o diagnóstico ao paciente?
Eu acredito que o melhor é sempre ser sincero com o paciente, porém muitas vezes eles não estão mais cognitiva e emocionalmente preparados para receber o diagnóstico. Caso o médico e a equipe de saúde percebam que a notícia pode piorar o enfrentamento da doença, sem trazer qualquer benefício para a melhora do quadro clínico, não acho errado que o paciente seja poupado. Da mesma maneira, se nota-se que para determinado paciente a notícia pode estimulá-lo a seu cuidar e, de alguma forma, a se proteger ou ajudar em seu tratamento, acho válida a revelação. Cada caso é um caso, cada um tem a sua história.
Qual a sua recomendação para famílias que estão enfrentando essa questão?
Procurem sempre um especialista, de preferência um neurologista ou geriatra. Esses profissionais têm experiência em lidar tanto com pacientes quanto com suas famílias que, comumente, adoecem junto e sofrem muito mais. Acho precioso também o papel de grupos de apoio a familiares e cuidadores espalhados por todo o país. Todo o enfrentamento é menos pesado se encontramos pares nas nossas angústias. A troca de experiências é fundamental e extremamente benéfica.
Por Fernanda Figueiredo
- (11) 93401-9710
- sbgg-sp@sbgg-sp.com.br